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A impenhorabilidade do bem de família e o credor hipotecário

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 10/10/2021 às 19:57Atualizado em 18/12/2022 às 16:38
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O legislador com vistas a proteger o imóvel residencial que habita a entidade familiar cria a figura da impenhorabilidade, determinando que este bem não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, desde que seja contraída pelos proprietários cônjuges ou companheiros, residentes no imóvel; e por obvio, salvaguardando as exceções pontuadas na lei específica.

E preciso observar as exceções que a lei comporta, sob pena de ser aplicada incorretamente a proteção legal.

Por vezes, podemos encontrar decisões que permitiram o alargamento destas exceções ou que também restringiram a aplicação destas exceções frente a interpretações subjetivas do órgão julgador. O que acabava por criar uma instabilidade do instituto de proteção.

E recentemente, a Corte de Uniformização, apreciando um caso de execução, onde o bem gravado de ônus reais - hipoteca -, foi objeto de penhora, entendeu que a proteção legal da impenhorabilidade ao bem de família origina-se do princípio de dignidade da pessoa humana, como direito fundamental que é; sendo, portanto, impossível dar interpretação extensiva a referida norma.

O que significa dizer: a norma expressa não permite alargamento em sua interpretação quando for aplicada.

De mais a mais, como a impenhorabilidade é benefício irrenunciável o fato do bem impenhorável ter sido oferecido como garantia não pode significar que renunciaram à proteção legal – a impenhorabilidade – para credor diverso do hipotecário, que é uma exceção legal.

Em um primeiro momento, a decisão foi de desconstituir a penhora, haja visto o bem ser impenhorável. E supreendentemente, o Tribunal Mineiro, apreciando o recurso afastou a proteção legal, permitindo a constrição judicial do credor diverso do credor hipotecário.

E o caso foi apresentado para julgamento no Superior Tribunal visando modificar a decisão do Tribunal de Justiça Mineiro que havia afastado a impenhorabilidade do bem imóvel dado como garantia hipotecária em favor de outro credor e não do titular da ação em julgamento.

Pois bem, os proprietários do bem haviam dado em garantia hipotecária o imóvel residencial para um credor. Todavia, estavam sofrendo uma execução de um terceiro credor, diferente do hipotecário.

Analisando todo este imbróglio, a Corte Superior entendeu de modificar a decisão do Órgão Julgador Estadual, restabelecendo a proteção legal da impenhorabilidade sobre o bem imóvel dado em garantia hipotecária a credor diverso do que tinha ajuizado a ação em comento.

Em verdade, a garantia real tinha sido constituída em favor de credor diverso daquele que ajuizou a ação; assim, no entendimento de que a regra da impenhorabilidade deve ser respeitada sob pena de estar se fazendo letra morta da figura jurídica.

Como o bem era o único de propriedade dos devedores por obvio o credor pediu a sua penhora; e deparando com a garantia hipotecária ofertada a credor diverso, a alegação de houve renúncia a proteção legal foi o argumento utilizado pelo credor penhorante.

Por obvio, não se pode entender que a garantia hipotecária ofertada a um credor é o mesmo que renúncia a proteção legal para o outro credor. Como já dito anteriormente não cabe interpretação extensiva da norma protetiva, sob pena de permear o instituto da proteção ao bem de família.

Com acerto, a Corte Superior corrigiu o erro do Tribunal Estadual, pois não se pode estender as exceções quando a própria lei não permite; ficando assegurado ao devedor hipotecário a sua escolha de oferta do bem em garantia a credor específico.

Permitir interpretação extensiva em razão de oferta de garantia hipotecária como sendo renúncia da proteção para outros credores seria como aplicar a presunção em prejuízo ao protegido.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária

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