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A força da paternidade socioafetiva

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 16/08/2021 às 07:18Atualizado em 18/12/2022 às 15:42
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A relação filial é sempre um ponto de análise nas questões familiares, quer seja sobre o prisma do direito assistencial, quer seja sobre o direito aos alimentos, direito sucessório e agora, nos tempos modernos a filiação socioafetiva.

Talvez não seja do conhecimento de todos, mas os filhos não eram tratados igualmente antes da Constituição Federal; sendo que os filhos havidos fora do matrimônio não tinham o mesmo direito, em percentuais, sobre a herança do pai falecido. E mais, a legislação blindava os homens casados de responderem a ação de investigação de paternidade.

Graças a evolução cultural, a tempos a nossa realidade legislativa mudou; e por obvio, não podemos negar que foi para melhor o reconhecimento da igualdade entre os filhos com relação ao direito no percentual da herança do pai falecido.

Mas não se engane, meu caro leitor, ainda existe algumas diferenças, mesmo que sutis, com relação aos direitos dos filhos. E como exemplo disto podemos citar a inexistência de presunção da paternidade do filho havido pela união estável, impossibilitando assim a genitora de obter o registro completo de nascimento da criança por simples declaração e apresentação do contrato de união estável.

Continuemos...

Apresentado a Corte Superior um recurso onde, insatisfeito o recorrente, alega que não houve a prestação jurisdicional, vez que pretendia a declaração de nulidade do registro de nascimento, sob a alegação de vício do consentimento.

É entendimento pacífico da doutrina e das decisões que apesar do registro de nascimento ter ocorrido mediante vício de consentimento ou de erro, hoje o direito de família, prezando o sentimento desenvolvido entre as partes e em uma visão mais emocional, não concede o cancelamento do registro se existe uma relação socioafetiva entre as partes.

Nada mais lógico, pois não se pode desmerecer ou apagar o sentimento desenvolvido entre o genitor e o “filho” simplesmente porque o declarante foi induzido a erro quando do registro.

O valor da relação socioafetiva é muito superior ao equívoco cometido ou até mesmo engano.

E assim, a Corte consolidou o entendimento de que só é possível a anulação do registro da paternidade se restar configurado o erro ou falsidade do registro, mas também inexistir a relação socioafetiva entre pai e filho.

Portanto, não é apenas a divergência entre a paternidade biológica e a constante do registro pressuposto único para invalidar o registro.

E de mais a mais, quando resta demonstrada a relação socioafetiva desenvolvida entre as partes deve-se preservar este sentimento não concedendo a exclusão da paternidade.

O prestígio que na modernidade se dá aos sentimentos desenvolvidos entres as partes faz com que o Poder Judiciário não dê guarida a pedidos de anulação de registro de nascimento mesmo que provado ter havido erro, se restou provada a relação emocional desenvolvida entre as partes como se fossem pai e filho.

E não podia ser de outro modo, pois se há dúvida quando a paternidade melhor seria solucionar a dúvida para ao depois haver o registro; e não ao contrário, após longos anos de relação filial e cultivo de sentimento paterno, vir ao Tabuleiro Judicial buscando a ruptura do afeto criado, embasado no amor, dedicação, carinho, respeito ao longo de anos.

A origem genética não é a única forma de nascer um pai, não podemos esquecer que temos também a adoção, que reflete a força do amor filial para aquele que não temos nenhum vínculo biológico. E de igual forma quando o registro realizado não coincidir com a realidade biológica não podemos “matar” o sentimento criado pelo convívio diário entre dois seres humanos que se tratavam como pai e filho!!

Pelo som dos ensinamentos populares já escutamos várias vezes: pai é quem cria!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. https://www.monicaceciliorodrigues.com/

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