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A possibilidade do reconhecimento do parentesco, pela via obliqua

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 28/06/2021 às 10:50Atualizado em 18/12/2022 às 14:57
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Há tempos passados o direito de família enfrentava uma grande dificuldade com relação a possibilidade de reconhecer a exata ascendência, pela inexistência de uma prova científica que pudesse afirmar com exatidão esta busca. Na época existiam: exame de sangue que excluía a paternidade, exame prosopográfico, provas testemunhais, mas nada que pudesse afirmar a ascendência com a margem de precisão do tão afamado exame de DNA.

E com a descoberta e possibilidade de utilização do exame de DNA em ações judiciais para este fim, a verdade veio à tona, querendo ou não o investigante.

Foi realmente um passo muito significativo para dissipar as dúvidas nas relações paterno-filiais. Criando vínculos e inevitavelmente rompendo também.

O Poder Judiciário se viu as voltas para apreciar as mais inusitadas ações em que se buscava o conhecimento, através da prova científica que é, da ascendência, raras vezes a descendência.

E, recentemente, houve o ajuizamento de uma ação com vistas a reconhecer a relação de parentesco entre irmãos, uma vez que com o falecimento de uma irmã não foram elencados como herdeiros no inventário desta, posto que não existia no registro da falecida a filiação paterna.

Traduzindo em miúdos, o objetivo é a declaração de parentalidade colateral entre irmãos visando habilitar na herança da irmã falecida.

Não se pode negar que o vínculo biológico entre irmãos unilaterais ou bilaterais resulta do reconhecimento da paternidade ou maternidade comum.

E um caso interessante acontece quando a falecida não tem em seu registro de nascimento o nome do pai, que seria o ancestral comum com os seus supostos irmãos; e, com o seu falecimento estaria ceifada a possibilidade de ação de reconhecimento de paternidade ser ajuizada pela própria legitimada ao reconhecimento.

Mas o direito não pode permitir que a omissão por parte da suposta irmã seja deixada de lado, uma vez que hoje o interesse em ver reconhecida a parentalidade colateral é dos irmãos vivos.

Assim, a Corte Superior, entendeu que a possibilidade de reconhecimento da paternidade “somente poderia ocorrer por iniciativa da filha morta”, por se tratar de direito personalíssimo, e em apreciando o recurso ali interposto, concedeu aos irmãos a legitimidade de perquirirem na Justiça a declaração de parentesco colateral, por via obliqua, recebendo um tratamento de parentesco autônomo.

O direito personalíssimo em investigar a origem genética quando não exercitado não pode obstaculizar a outros igualmente e também interessados, em razão da consequência desta parentalidade no direito sucessório.

Como a referida ação não pode ser resolvida no próprio inventário, toma-se outro rito para a solução do imbróglio.

E assim, a Corte Superior, reformando a decisão proferida pela Tribunal e que havia confirmado a sentença monocrática, inovou, sabiamente, permitindo a possibilidade pela busca do reconhecimento do vínculo de irmandade, com o objetivo de concorrer na sucessão da irmã pré-morta.

Em conclusã existe sim, legitimidade ativa e interesse processual, a teor do próprio decisum, para que seja declarado o vínculo biológico de irmandade entre irmãos unilaterais com a irmã pré-morta, vez que não existe em seu registro de nascimento o nome de seu pai. E este direito, ao reconhecimento da relação colateral, é próprio, autônomo e personalíssimo, não pode ser impedido pela inércia da falecida que não cuidou de buscar a sua ascendência. Ainda, é necessário esclarecer que não há vedação expressa para a pretensão aviada, caracterizando assim também a possibilidade jurídica do pedido. Ponto final

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. https://www.monicaceciliorodrigues.com/

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