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A Corte Superior, o Conselho Federal de Medicina e a reprodução humana assistida

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 21/06/2021 às 06:50Atualizado em 18/12/2022 às 14:49
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Como é certo que os imbróglios familiares tendem a parar na justiça objetivando a solução, não é surpresa a existência de decisões inovadoras de direitos que até então não perquirido pelas partes. Um exemplo de direito novo, diz respeito a possibilidade de implantação de embriões, criopreservados, após a morte de um dos fornecedores do material biológico.

Pois bem, o caso julgado retrata, especificamente, a discordância existente entre os herdeiros do falecido doador com a doadora do material genético, que se encontra armazenado, para a implantação e via de consequência assegurar a gestação.

Na comarca de origem os herdeiros foram exitosos com a declaração de inexistência do direito de utilização e consequente proibição de implantação após a morte, dos embriões deixados pelo falecido e ora genitor dos postulantes. A então doadora do material genético para a fertilização e desejosa da maternidade insatisfeita com o resultado do julgamento, recorreu da decisão. Conseguindo que o Tribunal modificasse o resultado, concedendo-lhe a permissão para a implantação dos embriões preservados.

O Tribunal, em analisando o contrato confeccionado e acordado pelas partes quando da doação do material genético para a reprodução humana assistida juntamente com o hospital responsável pelo depósito, acabou por concluir pela sua suficiência, clareza e objetividade de que em caso de morte de um deles, os embriões seriam preservados sob a guarda do outro, não sendo descartados ou doados.

E interpretando, o Tribunal, que este direito de guarda compreenderia a autorização para a continuidade do procedimento, finalizando com a gestação, sendo uteis os referidos embriões apenas para a implantação em útero materno. Além de reconhecer a inexistência de previsão legal de forma específica para esta manifestação de vontade, acabou por concluir que poderia sim a recorrente implantar os embriões, conforme era de seu desejo.

Pois bem, a discórdia não parou por aí.

Os herdeiros do falecido e doador do material genético masculino recorreram ao próprio Tribunal de Apelação e conseguiram que fosse suspensa a decisão prolatada e concessiva da implantação.

Agora, a pretensa mamãe, utilizando dos meios legais recorreu a Corte Superior para que seja suspensa a suspensão. Pode até soar estranho, mas tecnicamente é isto mesmo. Ao fim e ao cabo, seria o mesmo que permitir o cumprimento da decisão que permite a implantação.

E a Corte de Jurisprudência, sabiamente, entendeu que não vislumbra os pressupostos exigidos para a concessão da suspensão do impedimento da implantação, simplesmente porque, o caráter de irreversibilidade do procedimento de implantação dos embriões, como reconhecido pelo Tribunal que concedeu a suspensão, se sobrepõe ao possível dano da não permissão da implantação. E preservando os embriões, o Superior Tribunal indeferiu a suspensão, permanecendo então a proibição da implantação.

E, coincidentemente, o Conselho Federal de Medicina, na recentíssima Resolução nº. 2.294, de 27 de maio de 2021, publica normas éticas para as técnicas de reprodução humana assistida. Dentre as disposições encontram-se os limites de idade para as futuras gestantes, para a barriga de aluguel, a destinação do material genético após a morte etc.

E quanto a reprodução humana assistida post mortem traz a Resolução a obrigatoriedade da “autorização específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”.

Em conclusão, não cabe mais interpretação das cláusulas contratuais neste caso, como fez o Tribunal, quando concluiu que a guarda pressupõe a autorização para a continuidade do procedimento, finalizando com a gestação; pois, apesar ser uma Resolução, não pode-se ignorar a força desta norma frente a procedimentos médicos feitos e sua valia entre as partes, enquanto aguardamos o dormente legislador criar as regras legais para tal direito.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. https://www.monicaceciliorodrigues.com/

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