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O uso e o abuso do direito

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 10/05/2021 às 07:35Atualizado em 18/12/2022 às 13:44
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Por vezes o Superior Tribunal de Justiça surpreende aqueles que acompanham as decisões que afetam e que extrapolam os princípios basilares dos institutos do direito de família.

E, recentemente, apreciando um caso apresentado, onde o ex-cônjuge busca, através de uma ação de arbitramento de aluguéis o recebimento contra o ex-marido, posto que este residia em uma casa que foi objeto de partilha entre o então casal; e agora, um condomínio entre ambos.

Acontece que, o ocupante da casa alegou que a moradia era também utilizada como moradia da filha do casal, portanto, o valor que “supostamente” pudesse ser obrigado a pagar a título de aluguéis não se justificaria, vez que este valor se caracteriza como pensão in natura para a filha.

Se estivermos atentos aos argumentos despendidos pelo ocupante do bem comum ao ex-casal, resta claro que na ação proposta de arbitramento de aluguéis não se discute pensão alimentícia, mas sim a ocupação injusta de um bem comum e sob o qual ainda pende a indivisão. E de mais a mais, não se pode confundir o pedido de aluguéis com a pensão e muito menos compensar como pensão alimentícia in natura quando se trata de filhos que não gozam do benefício de presunção de necessidade, pois já completaram a maioridade civil.

Fica muito fácil a aceitação por parte do genitor obrigado ao pagamento da pensão alimentícia querer convenientemente aceitar a simplista alegação de necessidade de seus filhos e querer utilizar o uso de todo o bem comum como pagamento de sua obrigação, visto não ter a totalidade do imóvel.

Por obvio, caracteriza sim enriquecimento ilícito por parte do ex-consorte que desfruta de todo o bem ainda comum ou até mesmo indivisível, causando prejuízo ao outro condômino, que em caso é o ex-cônjuge, mesmo que utilizando para moradia com a filha do casal, quando não existe fixação de alimentos in natura em favor desta prole.

Não pode o Poder Judiciário fazer vistas grossas ou até mesmo desrespeitar os institutos que regem o direito de família, quando não estamos mais falando de casal e sim de condôminos de um imóvel, haja vista que a sociedade conjugal já foi extinta com o decreto do divórcio. Se ainda pende a indivisão sobre o bem que era comum ao então casal ou se o bem não comporta divisão, pela sua natureza, o caso se trata de direitos entre condôminos.

E mais, se não existe sentença ou acordo que reconhece a obrigação paterna em pagar alimentos in natura para a filha do outrora casal, e acresce que hoje esta filha é maior de idade, jamais poderia ser aceito o argumento de que a utilização de todo o bem comum do casal pelo ex-consorte não se caracteriza enriquecimento ilícito.

Cada direito deve ser discutido em ação própria.

Arbitramento de aluguéis – valor devido a título de aluguéis.

Alimentos – valor devido a título de alimentos.

Agora, a Corte Superior aceitar como matéria de defesa e permitir que o abuso de direito sirva para “adimplir” o que não é obrigação, repete-se: não existe nenhuma sentença anterior que condena o pai ao pagamento de alimentos in natura para a prole, é um desrespeito maior do que somente legalizar e amparar o enriquecimento ilícito que este ex-consorte está a causar a ex-virago.

Consabido é que o uso exclusivo de um imóvel por somente um dos ex-cônjuges permite ao outro que reivindique o aluguel, a ser calculado sobre a sua cota.

É claro que as necessidades dos filhos, quando menores é presumida, é de obrigação dos pais; entretanto, quando maiores há necessidade de prova e esta deve existir em ação própria, quer seja para fixar, majorar ou até mesmo exonerar a obrigação alimentar; e caso não exista resta caracterizado que o uso de imóvel comum está sendo em benefício exclusivo do ex-marido – puro enriquecimento ilícito. Nada mais!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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