ARTICULISTAS

A visão caolha do Programa Casa Verde e Amarela

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 01/02/2021 às 06:50Atualizado em 19/12/2022 às 05:10
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A atenção está voltada para as regras instituídas pela Lei nº. 14.118 de 2021, já por nós velhas conhecidas do Programa Minha Casa, Minha Vida; e que dizem respeito ao direito preferencial da mulher, nos contratos de compra da residência naquela modalidade, quando ocorrida no núcleo familiar.

Pois bem, o legislador brasileiro realmente nos surpreende quando repete a fórmula desgastada e desrespeitosa com os direitos que levaram anos para serem reconhecidos em nosso sistema judicial.

A recentíssima Lei nº. 14.118 determina que a compra e o registro de imóveis realizados pelo Programa Casa Verde e Amarela serão preferencialmente feitos em nome da mulher, “na hipótese de esta ser chefe de família”, e não precisarão da outorga marital para a alienação ou de qualquer outro ato que caracterize disposição ou ônus sobre o referido imóvel.

E não haverá qualquer menção ao outro cônjuge e muito menos ao regime de bens, existente entre o casal, quando for levada a registro a mencionada propriedade.

Ainda, como cereja do bolo, determina que caso ocorra a dissolução da união estável, a separação ou o divórcio, o referido imóvel será recebido apenas pela mulher, independentemente do regime de bens; lado outro, a guarda dos filhos irá definir a titularidade do imóvel, devendo, deste modo ser atribuída a propriedade aquele genitor que ficar “exclusivamente” com a guarda da prole.

Algumas perguntas que se mostram necessárias para o enfrentamento (palavra de ordem, em tempos de pandemia) das regras acima impostas, para que não fique pior do que já está:

O que podemos entender com a expressão “chefe de família”? Para a família homoafetiva, como aplicaremos as regras acima? E a guarda compartilhada como regra geral, foi ignorada?

Realmente, são questões que irão atormentar a relação familiar, haja vista que, fica difícil ou até mesmo impossível explicar o significado da expressão “chefe de família” em pleno século XXI; e como fazer para aplicar as regras ao casal formado por pessoas do mesmo sexo, quando a referida lei reconhece somente a possibilidade do direito a diversidade de sexo para a constituição da família, mesmo após anos de luta para a conquista legal dos direitos das relações homoafetivas; finalmente, quanto a guarda, que hoje a regra é ser compartilhada, podemos esperar a disputa que será formada para em consequência poder desfrutar das benesses da lei que determina a propriedade.

Portanto, mais uma vez o legislador se distancia do sistema legal em vigor para criar penduricalhos que já vimos não estarem sendo aplicados com eficácia e desnaturam várias regras que regem a sociedade conjugal; desta feita, quisesse a lei proteger e garantir a moradia para aquele genitor que ficar com a guarda do (s) filho (s) dar-lhe-á o direito de usufruir do imóvel, adquirido com os benefícios do plano do governo, mas não ignorasse que hoje em dia existe também a família homoafetiva e que tem total proteção do Estado.

E de mais a mais, não cabe a lei fazer a distinção de capacidade produtiva e muito menos da responsabilidade pelo gênero, após anos de luta pela demonstração de igual capacidade de ambos, desde que o próprio governo se responsabilize e propicie a capacitação intelectiva.

Acrescendo que criar direitos de propriedade vinculados a guarda de filhos somente levará os genitores a disputar a filiação, não pelo interesse de se cuidar e zelar da prole, mas pelo benefício do patrimônio imobiliário que receberá.

Ao fim e ao cabo, estamos diante de direitos “requentados” e que com certeza não trarão soluções benéficas aos envolvidos, muito pelo contrário acabarão por criar outros problemas piores para a família.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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