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Será mesmo justo?

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 10/08/2020 às 06:45Atualizado em 18/12/2022 às 08:36
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Os alimentos podem ser divididos em razão do tempo da obrigação; ou seja: alimentos presentes, pretéritos e futuros. Os ditames da lei brasileira são bastantes claros quando preceitua serem irrenunciáveis os alimentos, ressalvando que podem nunca serem cobrados, mas não sendo permitida a renúncia.

E assim pautamos os estudos, encontramos decisões e defesas acirradas no tocante a irrenunciabilidade ser característica dos alimentos.

A proibição de que se trata é ao direito; coexistindo, legalmente, a possibilidade de deixar de pedir alimentos ou até mesmo de cobrá-los, pela via do cumprimento ou da execução, procedimentos reconhecidos pelo sistema processual brasileiro. Apesar de parecer diferenças filigranas, mas para o direito são vitais.

Ainda pende as divergências doutrinárias sobre a possibilidade de a renúncia ocorrer entre os cônjuges, com existência de projetos legislativos para modificar esta particularidade.

Entretanto, podemos surpreender com decisões da Corte Superior sobre a possibilidade de renunciar alimentos pretéritos, que foram devidos e não foram adimplidos, e a conclusão de que a determinada irrenunciabilidade atinge ao direito e não o seu exercício.

Talvez podemos concluir que tudo isto não passa de um jogo de palavras.

No caso examinado tratava-se de uma execução, onde foi celebrado um acordo em que o valor devido foi exonerado, sem causar prejuízo, uma vez que estão protegidos os alimentos vincendos e considerados indispensáveis a sobrevivência do credor.

O acordo recaiu somente sobre as parcelas em execução, reconhecendo o julgado não existir impedimento legal para isto.

O inconformismo nasceu e foi apresentado para decisão na Corte quando a representante legal do credor inusitadamente renunciou ao crédito em execução, o que levou a ação ser extinta.

Causa realmente surpresa a atitude por parte da representante legal do credor, uma vez que, é injustificável abrir mão de um direito fundamental para a sobrevivência.

Mas a fundamentação utilizada para a aceitação da renúncia ocorrida é que estes alimentos são alimentos pretéritos e via de consequência perderam a característica de irrenunciáveis, pois não tem mais o caráter alimentar, dado o tempo passado entre a necessidade e o inadimplemento.

E continua o julgado decidindo que não haveria nenhum prejuízo ao credor, que tem a sua subsistência garantida pelo adimplemento dos alimentos atuais.

Em um primeiro momento não ousamos discordar deste argumento; todavia, se formos analisar os alimentos, concluímos que são direitos indisponíveis e personalíssimos, de titularidade neste caso de menores; e, quando dispensados no curso do poder familiar pode trazer grave prejuízo aos credores, mas em se tratando de alimentos pretéritos é aceita a renúncia.

Entretanto, a lei determina que a irrenunciabilidade diz respeito ao direito a alimentos e não as prestações vencidas e não pagas. Portanto, a irrenunciabilidade não alcança o débito alimentar, admitindo a transação para redução ou exoneração da dívida.

O que o Poder Judiciário não pode deixar acontecer é o devedor ou executado utilizar desta permissão legal, perdurar ou ser reincidente com o inadimplemento            para que depois possa usufruir do benefício do perdão para o valor não pago, haja vista ter perdido o caráter alimentar.

 A linha limítrofe que separa o justo do legal muitas das vezes se enroscam e fica difícil desatrelar em casos que são apresentados a Justiça e que demandam especificidades das partes. 

Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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