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O conhecimento da ascendência como direito humano

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 09/03/2020 às 07:34Atualizado em 18/12/2022 às 04:48
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As relações paterno-filiais estão sofrendo grandes modificações desde que restou constitucionalmente garantida a igualdade da filiação.

Em tempos outros a discriminação da origem filial impedia até mesmo o recebimento da cota parte da herança em igualdade aos outros irmãos unilaterais, em caso de falecimento do pai comum.

Mas hoje os tempos são outros.

Irmãos unilaterais gozam do direito da igualdade na cota parte da herança do pai falecido, independentemente da origem, quer seja matrimonial ou extramatrimonial. Uma evolução muito bem-vinda e que também sofreu os reflexos trazidos pela ciência com o exame de DNA, para se aferir a origem da descendência paterna.

Pois bem, como já dito as transformações ocorridas nas relações filiais foram grandes e chegando até mesmo à possibilidade de existir no registro de nascimento uma filiação socioafetiva e uma biológica.

A ciência tem trazido oportunidades que até então não existia para que o cidadão possa conhecer a sua ascendência genética; e, consequentemente, o direito deve regulamentar estas situações fáticas, sob pena de ficarem desprotegidos aqueles que obtém o conhecimento da descendência aos olhos do regramento legal e suas consequências.

Um dos julgados mais emblemáticos com relação ao reconhecimento da filiação posterior ao registro já existente aconteceu quando a Corte Suprema, ao apreciar o pedido feito para que fosse permitida a coexistência do ascendente biológico juntamente como a filiação socioafetiva que havia existia.

O sagrado direito de conhecer a ascendência está contido na Convenção sobre os Direitos da Criança, do qual o Brasil é signatário. Portanto, trata-se de um direito humano, é deve ser respeitado pelas leis do país aderente.

No destacado julgado, com repercussão geral reconhecida, a Corte Constitucional admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, não permitindo também qualquer tipo de graduação ou subordinação entre estes vínculos; e, dando tratamento de igualdade para ambas.

E via de consequência a permissão desta coexistência trará aos outros cidadãos a possibilidade de exercícios dos direitos reflexos ao reconhecimento da paternidade.

Como o direito ao reconhecimento da filiação é direito personalíssimo, indisponível e também imprescritível poderá ser exercitado a qualquer tempo; entretanto, nem todos os que dele originam são imprescritíveis, razão pela qual deve ser analisada a possibilidade do exercício dos deveres reflexos no seu tempo correto. A exemplo dos direitos hereditários, decorrentes da sucessão legal.

A compatibilidade da coexistência entre duas ascendências filiais somente é possível com a nova visão de família que os tempos modernos impõem.

E com uma visão mais humanista, as famílias veem se reestruturando, com bases em ligações mais afetivas e ultrapassando as barreiras biológicas. O exercício da paternidade, mesmo que não biológica, cria possibilidade dos vínculos filiais, mas não podem por si só impedirem posteriormente o reconhecimento da ascendência biológica, já que o conhecimento da herança genética é direito humano.

Assim, exercendo a função imposta pela Constituição, o Supremo Tribunal decidiu que não existe nenhum grau hierárquico entre os vínculos parentais e que estes devem coexistir, possibilitando até mesmo o reconhecimento biológico posterior ao registro socioafetivo, resguardando e garantindo todos os direitos reflexos de ambos os laços.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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