ARTICULISTAS

Às voltas com o direito concorrencial e o regime de bens

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 16/12/2019 às 06:39Atualizado em 18/12/2022 às 02:52
Compartilhar

Não causa estarrecimento a linguagem confusa utilizada pelo legislador ao redigir o texto legal quando trata da sucessão legítima, ou seja aquela que a lei determina quem são os herdeiros.

E quem padece são os profissionais que trabalham com a lei. Não excluindo nenhum personagem do mundo jurídico, o que dificulta muito a aplicação da norma ao caso concreto.

Para não ficar dando voltas, vamos direito ao assunt

A lei brasileira determina em quais regimes de bens o cônjuge ou companheiro concorrerá com os descendentes do falecido na parte dos bens particulares que este deixar, a saber: regime da comunhão parcial de bens e regime da separação de bens, quando eleito, ou seja por liberalidade dos nubentes.

Portanto, o raciocínio lógico se faz por exclusão, nos outros regimes: comunhão universal de bens e regime de separação obrigatória de bens não há que se falar em concorrência do cônjuge supérstite ou companheiro sobrevivente com os filhos do falecido.

Ainda, sobrevivendo a pergunta: e quanto ao regime de participação final nos aquestos.

Pois bem, caros leitores, este regime foi simplesmente esquecido pelo legislador ao tratar do direito concorrencial. Ou melhor dizendo, não há que se falar em direito de herdar juntamente com os filhos do falecido para aquele cônjuge sobrevivente no patrimônio deixado.

O Superior Tribunal de Justiça confirmou a regra legal em recente julgado, oriundo do Estado de Minas Gerais, onde deixa claro que somente é possível o reconhecimento do cônjuge como herdeiro necessário e concorrente caso o regime de separação de bens seja o convencional, o que significa dizer eleito pelos nubentes, anteriormente ao casamento, através do pacto antenupcial.

Caso contrário, se os nubentes se enquadrarem nos pressupostos legais do regime da separação total de bens, por imposição da lei, não haverá então o direito concorrencial entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido nos bens deixados.

E este mesmo julgado, no voto, acaba esclarecendo que com a declaração de inconstitucionalidade da regra legal do direito sucessório anteriormente aplicado a união estável passa a ser aplicado também a regra da sucessão concorrencial do casamento para os companheiros.

Assim, como os regimes de bens tanto no casamento como na união estável são iguais e são aplicadas as mesmas exigências e as mesmas possibilidades, via de consequência, o direito sucessório pela mesma forma também terá o mesmo resultado.

Aquele que constituir a união estável pelo regime de comunhão universal de bens não terá direito a concorrer com os filhos do falecido; se for pelo regime de comunhão parcial, concorrerá com os filhos do falecido nos bens particulares; no regime de separação obrigatória de bens não concorrerá com os filhos; somente concorrerá se constituir a união estável no regime de separação convencional de bens, igualzinho ao casamento.

O que leva a concluir que o cônjuge ou companheiro só é reconhecido como herdeiro necessário e que “trava” a metade da herança quando for casado ou em caso de união estável, com filhos, se o regime for o de comunhão parcial de bens, e existir bens particulares; ou se o regime for separação convencional de bens.

Caso contrário apesar de elencado como herdeiro necessário o regime de bens o excluirá do direito concorrencial com os filhos e na linha sucessória não estará entre os herdeiros, portanto não impedirá que se faça uma disposição de última vontade, extrapolando a legítima.

O direito concorrencial deferido ao cônjuge ou companheiro não foi uma feliz criação dos tempos modernos, pois somente acirrou a disputa patrimonial entre pessoas que muitas vezes não possuem laços filiais.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por