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A Corte não pode ser mais legalista do que a Lei!

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 17/11/2019 às 21:50Atualizado em 18/12/2022 às 02:03
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Por diversas vezes decantado, o casamento é caracterizado por formalidades e ritos, enquanto a união estável não exige nenhuma solenidade ou protocolo para a sua constituição. E seguindo estes ditames, a lei brasileira estatui que para ambos os casos pode haver a escolha do regime de bens, dentre os existentes em nosso ordenamento jurídico.

Aqueles que forem casar e desejarem um regime diferente do legal - regime de comunhão parcial - devem elaborar através da escritura pública o pacto antenupcial, e apresentá-lo ao respectivo cartório de registro civil. Sob pena de perder a eficácia caso não lhe seguir o casamento.

E em se tratando de união estável, na ausência de contrato de constituição o regime será o legal - comunhão parcial de bens. Caso constituam a união através do contrato poderão eleger regime diverso do legal, não necessitando da lavratura do pacto antenupcial.

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, inusitadamente, entendeu por bem em “aproveitar” um pacto antenupcial, elaborado para fins matrimoniais, mesmo quando não lhe seguiu o casamento, para reconhecer como prova da escolha do regime da união estável posteriormente constituída.

Ora, caros leitores, a lei é bastante clara quando preceitua que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens, não se exigindo a elaboração ou lavratura de pacto antenupcial.

E mais, o pacto antenupcial é documento público exigido para os nubentes quando a escolha contrariar o regime legal de bens exclusivamente para o casamento, devendo ser prévio e sendo ineficaz se não o segui-lo.

A legalidade é gritante, não precisa de pacto para a união estável, basta que conste no contrato se houver eleição diversa do regime legal.

Contudo, podemos encontrar alguns julgados da Corte Superior, com o “aproveitamento” do pacto antenupcial e do regime ali eleito pelos nubentes e que não foi seguido do casamento, mas sim por uma união estável, o regime de bens para resolver as questões apresentadas quanto a partilha de bens na dissolução desta união.

Isto mesmo, os nubentes elegeram um regime diverso do legal, in casu, separação total de bens, e fizeram um pacto; mas, contrariando o que estava para acontecer constituíram uma união estável, sem contrato escrito, e aquele pacto elaborado foi “aproveitado” como instrumento apto, eficaz e regulatório do regime de bens em caso de partilha ou até mesmo direito sucessório.

Causa estranheza tal decisão e não poderia ser de outro modo, simplesmente porque, para a constituição da união estável não se exige elaboração de pacto antenupcial, basta que se oponham ao regime através de contrato particular.

Não se pode admitir que aquele pacto foi uma manifestação de vontade e tenha eficácia de um contrato de convivência, pois não o foi!

O pacto foi elaborado com a intenção de seguir lhe o casamento, nos moldes em que foi planejado; porém, houve mudanças de plano e o casal não contraiu núpcias. Ponto

Muda a cena. O casal resolve constituir uma união estável, sem contrato, o que equivale a dizer que o regime eleito foi o regime legal, e a lei é bem clara neste aspecto, não podemos distorce-la utilizando um pacto anteriormente feito com o objetivo matrimonial, ao argumento de que estaríamos prestigiando um “negócio jurídico” já realizado. Aquele “negócio” já foi feito e se tornou ineficaz, uma vez que não se seguiu o casamento, conforme preceitua a própria lei. A lei dita a eficácia do pacto!

Querer a Corte adaptar um documento próprio de eleição do regime de casamento para a união estável é desrespeitar as regras legais de constituição da união estável. Não se pode ser mais legalista do que a Lei.

Se a Lei não exige o pacto para a escolha do regime de bens na união estável não poderá o Judiciário faze-lo!

S.M.J., peca a Corte Superior quando utiliza um documento já sem eficácia para ditar o regime da união estável!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil e professora universitária.

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