ARTICULISTAS

Os descendentes, a recusa, a presunção

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 03/11/2019 às 21:32Atualizado em 18/12/2022 às 01:37
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Em tempos atuais a prova científica da paternidade biológica é indubitavelmente o exame de DNA.

Para a Justiça a resolução das questões que investigam a paternidade, quer seja positiva ou negativa, são solucionadas pelo citado exame; e o exame é realizado através de materiais fornecidos, deliberadamente, pelos envolvidos podendo todos estarem vivos e presentes.

Casos excepcionais e talvez por escolha, ao invés do sangue, podem ser feitos, por outros materiais pertencentes aos implicados, tais como cabelo, saliva, ossos etc.

Todavia, em alguns casos o tripé, assim denominado vulgarmente, pai, mãe e filho, não estão presentes ou até já falecidos. E acontece que a ciência buscando uma solução para dissipar a questão aprimorou o exame realizando em parentes próximos dos investigados, a exemplo dos seus descendentes, evitando assim a exumação, que encarece por demais o valor do exame.

Entretanto, muitas das vezes por manobras jurídicas o investigado se recusa a fazer o exame de DNA, negando veementemente, com as mais variadas e criativas alegações. Desde não poder ser compelido a fazer prova contra si mesmo, até não ser obrigado a fornecer material humano para perícia, dentre outras mais audaciosas.

Pois bem, a Justiça tem que encontrar uma solução para este comportamento furtivo e desrespeitoso e que não se justifica legalmente, uma vez que aquele que nada deve não se recusaria a submeter ao exame, pura questão de bom sendo; pois supostamente, quem não deve não teme. Se não é o pai, o exame irá ser negativo quanto a paternidade.

Assim, a Corte Superior, encontrou uma saída para este comportamento desrespeitoso, com um entendimento pacificado de que a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção de direito (juris tantum) da paternidade, ainda mais quando vem acrescida de outras.

Nada mais coerente e acertado do que esta conclusão, pois se existe uma prova científica e aceita pela Justiça, que é o exame de DNA, de que poderia excluir a paternidade, e o indicado pai se recusa a fazer, a conclusão mais óbvia que se pode ter é que na verdade ele (o suposto pai) está temendo não ser excluído da paternidade.

Instada por amigos sobre a aplicação deste entendimento pacificado na Corte Superior aos descendentes de um suposto pai já falecido, a conclusão a princípio veio de pronto lendo a Súmula, ao depois, com mais cautela e percuciência... confesso, o meu entendimento se reformulou.

A presunção da Súmula, agora, se aplica aos descendentes. Pois a recusa estava diretamente ligada aquele que supostamente tem conhecimento da paternidade e forçosamente teria interesse em comprovar que não tem nenhum receio em submeter ao exame, uma vez que não é o pai biológico do investigante. Portanto, a presunção da paternidade era apenas aplicável ao investigado. Entretanto, com a evolução da ciência, o Direito também tem que evoluir...

Em princípio, não fazia sentido a aplicação do entendimento da presunção contra aqueles descendentes, já que a jurisprudência da Corte Superior expressamente determina que a presunção somente aconteça contra o suposto pai, todavia, mais recentemente, houve uma modificação do entendimento ampliando também para os descendentes, já que família é uma só.

Mais coerente este entendimento, com a nova visão de família. Quando o suposto pai é falecido, a ação de reconhecimento de paternidade post mortem é proposta contra os herdeiros do falecido, portanto contra eles pode sim ser aplicada a presunção de paternidade caso haja a recusa ao fornecimento de material genético para a realização do exame de DNA, o que se conclui ser extensiva a Súmula 301 do STJ aos descendentes do investigado.

Evolui a Ciência, adequa-se o Direito!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

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