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A liberalidade e os alimentos

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 27/10/2019 às 21:44Atualizado em 18/12/2022 às 01:26
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O sistema brasileiro processual reconhece como obrigação pecuniária alimentar o título judicial ou o título extrajudicial, que podem ser cobrados no Poder Judiciário pelas duas modalidades existentes, cumprimento ou execução, dependendo da origem dos títulos.

Quando a origem da dívida alimentar é através de uma sentença denomina-se de título judicial, precedida de um processo que teve por fim uma decisão judicial, homologatória ou decisória.

Já quando a dívida alimentar é originária de uma escritura pública onde se reconhece a dívida alimentar tem-se o chamado título executivo extrajudicial.

No primeiro caso poderá ser recebido na Justiça através de um cumprimento de sentença, podendo ser requerido o rito de prisão ou o rito de expropriação. Cada qual com seus prazos e suas diferentes nuances.

No segundo, quando tratar de título extrajudicial, o modo de receber será através da execução, diferenciando, portanto, das fases anteriores.

O que é preciso entender logo de início é necessidade da existência de um título (documento, papel), que indique quem é o credor, quem é o devedor, qual o valor líquido desta obrigação, a periodicidade do pagamento, e bem como o termo final da obrigação.

Repete-se, quer seja um título judicial ou extrajudicial, a obrigação alimentar somente será reconhecida como executável com a existência deste título.

Todavia, o que pode acontecer é o pagamento de um valor como alimentos, sem a existência fática de um título. Ou seja, por total liberalidade.

Entretanto, este comportamento não alivia a exigência de um título, pode sim corroborar para que seja proposta a ação que culminará neste título. Servindo até mesmo de início de prova da possibilidade de pagamento do devedor e necessidade de recebimento do credor.

Mas jamais esta liberalidade por si só constituirá um título.

A legislação brasileira que cuida do direito de exigir na Justiça o pagamento da pensão alimentícia é muito precisa e clara quando prescreve a necessidade de existência de uma condenação (no caso de título executivo judicial) ou de título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar.

Portanto, não podemos admitir, em nenhum dos casos, que o comportamento reiterado, quer seja quando deliberadamente paga ou quando deixa de pagar que fique caracterizado como um título.

O que seria utilizar os institutos jurídicos supressio ou surrectio, que decorrem do princípio da boa-fé objetiva, para a obrigação alimentar, consagrando-os como formas de perda ou aquisição deste direito filial.

A obrigação alimentar, quer seja constituída por acordo ou por processo pressupõe participação exauriente das partes, credor e devedor.

Jamais podemos admitir a extinção ou a criação de um título de natureza alimentar pelo simples comportamento reiterado, quer seja do credor, quer seja do devedor.

Os alimentos, uma vez constituídos só poderão ser modificados, para aumentar ou para diminuir, através de um processo judicial, aqui tratando de credores menores, e com a participação do Ilustre Órgão do Ministério Público.

O comportamento reiterado do pagamento pode servir como prova da possibilidade do devedor em arcar com aquele valor e bem como prova da necessidade do credor, para uma futura ação judicial que culminará na condenação daquele em favor a este.

Não podemos transmudar a exigência legal da existência de um título para a obrigação alimentar, sob pena de fazer tabula rasa da lei processual.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária

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