ARTICULISTAS

A sorte também se divide.

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 01/09/2019 às 17:45Atualizado em 17/12/2022 às 23:56
Compartilhar

O Direito de Família muitas vezes enfrenta as falibilidades das relações e também dos seres humanos, na busca de seus direitos. 

Todavia, quando se fala em dissolução de uma união estável, não é incomum estar carregada de sofrimento, dor e angústia, pois envolve os sentimentos, os filhos e os bens que serão divididos. Alguns casais enfrentam com mais facilidade os rompimentos, outros já nem tanto, o que acaba desaguando no Poder Judiciário quando não há possibilidade de consenso entre as questões a serem resolvidas.

E analisando um destes casos apresentados à Corte Superior, verifica-se que em uma união estável, onde não existia a formalização de sua composição através de qualquer documento e via de consequência também não havia sido eleito o regime de bens, o enfrentamento se deu em razão da discordância quanto a partilha de bens, e o mais interessante era o bem a ser dividido.

Um prêmio de loteria!!

A primeira analise a ser feita é a verificação de existência de qualquer um dos pressupostos legais que determinam o regime de bens; ou seja, o regime da separação obrigatória.

Um dos conviventes contava com mais de setenta anos a época da constituição da união, razão pela qual o tipo de regime de bens é imperativ separação obrigatória de bens. Portanto, independentemente da vontade dos contraentes o regime que regulamentará a partilha de bens é da separação obrigatória.

No caso em analise a discordância pairava sobre um prêmio de loteria, sendo classificado pela Lei como fato eventual, e que deve ser objeto da partilha, mesmo que sem o concurso de trabalho ou despesa anterior a união.

Com precedentes na Corte Superior, os bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, regulamentada pelo regime de separação obrigatória de bens, comprovado o esforço comum para a aquisição, devem ser partilhados de forma igualitária.

A discórdia pairou sobre o bem conquistado por fato eventual, ou seja, está implícito que não houve contribuição ou esforço de qualquer um dos conviventes para a sua aquisição ou conquista.

Mesmo que o regime de bens foi determinado pela lei, para fins de proteção ao idoso e seus herdeiros de uniões fortuitas ou realizados puramente por interesse econômico, como fica o bem acrescido ao patrimônio quando não demandou qualquer esforço, foi mesmo pura sorte?

Com relação aos bens que demandaram esforço comum os julgados anteriores pacificaram o entendimento de que deverá haver a partilha, principalmente e quando o regime for o de separação obrigatória de bens.

E agora, quando o bem é “adquirido” por fato eventual?

A questão é que não houve o esforço comum para este bem, mas o bem (prêmio) integra o patrimônio do casal; e, apesar de o legislador estabelecer o tipo de regime de bens, portanto não foi por liberalidade dos conviventes, agora deve-se ultimar a partilha respeitando a equidade e razoabilidade, determinando a partilha ao bem eventual.

Se o bem integra o patrimônio do casal, se o bem não dependeu de esforço de nenhum dos contraentes, se o recebimento do bem se deu por fato eventual, se o legislador determinou nestes casos a sua comunicabilidade, se o regime de bens é obrigatório, a partilha deste caracteriza simplesmente uma realização de justiça social e tratamento igualitário entre as partes, nada mais. E finalizando, o temor do legislador de que a união pode ter sido por interesse não se caracteriza; pois a sorte aconteceu na constância da união.

E nada mais justo do que dividir a sorte também!

Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.

 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por