ARTICULISTAS

A Desculpa

Contava minha avó em uma de suas memoráveis estórias que povoaram minha infância

Márcia Moreno Campos
Publicado em 02/11/2019 às 10:15Atualizado em 18/12/2022 às 01:34
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Contava minha avó em uma de suas memoráveis estórias que povoaram minha infância que, quando Deus criou o mundo, foi mandando para cá a felicidade, a tristeza, a mentira, a verdade, a doença, a esperança, mas faltava mandar a morte, que relutava em descer. Depois de muito insistir, Deus a convenceu, dizendo que ela poderia vir porque Ele mandaria primeiro, precedendo-a, a Desculpa. E é por isso que a cada morte aparece sempre uma desculpa para justificá-la aos olhos dos homens. Porém, a desculpa, enxerida como ela só, tomou gosto e se tornou a rainha do mundo. Para tudo existe uma desculpa. É sabido que apenas uma única razão nos leva a agir e o resto são justificativas para tornar o ato palatável aos nossos pares. Por vezes, tentamos enganar a nós mesmos com manobras engenhosas, mas que não convencem, porque no fundo, e sabemos disso, são apenas desculpas esfarrapadas. A ciência já provou que segundos antes de tomarmos uma decisão nosso cérebro já se decidiu e não adianta nada tentar justificar com mentiras as atitudes que se seguem a uma decisão. 

Exemplos bizarros não param de surgir. No governo federal, quaisquer atos ou falas do Presidente da República, sejam eles impulsivos, discriminatórios ou inapropriados para o momento, são imediatamente justificados nas redes sociais por um pelotão de defensores pagos ou não, prontos para espalhar desculpas. Sempre ela, garbosa, que se fazendo presente nos grupos de WhatsApp do país inteiro, passa por verdade inconteste. Na política é sempre assim: antes do jogo, as cartas são marcadas e depois soltam a desculpa para justificar a insensatez. Em muitos casos país afora, até em Partidos que se dizem diferentes, pessoas assumem erros que não cometeram para desculpar sabe-se lá quem, sabe-se lá por quê. É fácil enfeitar a realidade escondendo dos outros os motivos secretos para agir, tais como vaidade, conchavos, interesses pessoais e outros. Com tantas justificativas torpes por toda parte, o ser humano acredita no que quer e muitos ainda duvidam que o homem pisou na Lua e juram que a Terra é plana. Uma pena. 

Fico com vontade de ouvir outras estórias da minha avó. Quem sabe tenha alguma que não me foi contada, em que Deus, depois de ver tantas travessuras, vai resolver um dia chamar a desculpa de volta. Como seria viver enfrentando apenas a realidade? Estaríamos preparados?

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