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A polêmica regulamentação do Uber

A regulamentação de aplicativos de transporte como Uber, Cabify, Easygo e 99 Pop, que oferecem motoristas particulares à população

Ricardo Meneses dos Santos
Publicado em 14/12/2016 às 10:41Atualizado em 16/12/2022 às 16:11
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 A regulamentação de aplicativos de transporte como Uber, Cabify, Easygo e 99 Pop, que oferecem motoristas particulares à população, ainda é novidade – não apenas no Brasil, mas em diversos países. A questão mais discutida, inclusive pela União Europeia, é a definição da essência destes aplicativos: trata-se de empresas de transportes ou apenas de plataformas eletrônicas que conectam as partes?

O caso será apreciado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e deve reverberar por todo o mundo de acordo com a decisão. A questão surgiu após o lançamento do UberX (também conhecido como Pop) na cidade de Barcelona, onde a maior empresa de táxis local denunciou a Ubersob com a alegação de prestar um serviço de transporte ilegal.

O Uber suspendeu a modalidade no local enquanto aguarda o julgamento, porém, argumenta que é uma plataforma digital que liga condutores e clientes, por isso não presta serviço de transporte. Na Inglaterra, motoristas do Uber conseguiram o vínculo trabalhista com a empresa, garantindo seus direitos trabalhistas como pagamento mínimo e folga remunerada. No entanto, a questão é muito mais complexa.

Mas, afinal, a quem interessa a regulamentação de serviços de transporte por aplicativos como o Uber? Primeiro é necessário estudarmos o histórico das empresas e sua evolução em tão pouco tempo de existência. O Uber surgiu com a proposta de prestar um serviço diferenciado, ao oferecer carros de luxo para transporte de passageiros a um preço mais acessível e com a promessa de motoristas diferenciados em relação à educação (grande queixa de usuários de táxis), além do compromisso de uma viagem diferenciada com o oferecimento de produtos com água, balas, carregadores de celulares e promoções para novos participantes.

Muitas pessoas investiram em carros de luxo no padrão exigido pela empresa, dentre eles, modelos com quatro portas, bancos de couro e ar-condicionado – tudo para tentar uma nova vida como motoristas particulares. Os resultados foram excelentes. A propaganda da empresa e, principalmente, o boca a boca, fez com que disparasse o número de passageiros e motoristas interessados. O sucesso foi tanto que muitas pessoas largaram seus empregos e investiram na nova carreira. Motoristas e passageiros estavam extremamente satisfeitos.

Porém, com a popularização de smartphones e aplicativos no dia a dia das pessoas, ocorreu uma guinada em relação ao serviço prestado, já que havia uma necessidade cada vez maior de motoristas, devido à demanda. Assim, os aplicativos diminuíram as exigências para que particulares pudessem prestar o serviço. Hoje, basta que os veículos tenham algumas características como serem a partir do ano/modelo 2008, modelo quatro portas, cinco lugares e ar-condicionado.

Atualmente, os motoristas do Uber se multiplicam exponencialmente, enquanto os passageiros reclamam da queda de qualidade dos serviços prestados, os motoristas se queixam da jornada de trabalho entre dez e doze horas para terem um mínimo de lucro, porque nos últimos meses muitos têm desistido da profissão. Aí reside o segredo dos aplicativos de transporte: a propaganda desenfreada para aumentar e manter um número cada vez maior de motoristas, utilizando a tática já conhecida de pirâmides, ou seja, a oferta de bônus que são dados aos motoristas por indicar outros motoristas.

A regulamentação desse tipo de serviço interessa às duas partes, que deveriam ser as principais na relaçã motoristas e consumidores. Hoje, não existe fiscalização em relação ao motorista, muito menos quanto ao veículo utilizado, bem como o treinamento adequado e um órgão responsável que possa ouvir as reclamações, fiscalizar o dia a dia ou auxiliar as partes em relação aos problemas ocorridos na prestação do serviço.

Ao consumidor sobra apenas a avaliação do motorista junto à própria Uber, que, no máximo, acaba por descredenciar o motorista, não havendo uma medida socioeducativa para melhorar a qualidade do serviço. Os motoristas que se queixam das jornadas de trabalho exaustivas para conseguir lucro, agora buscam a Justiça do Trabalho para dirimir a situação.

Em São Paulo já são 20 processos trabalhistas movidos contra a empresa, que possui apenas uma sala alugada na cidade com o capital social alegado de R$ 1.000 e descreve suas atividades junto à Receita Federal como desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis.

Os aplicativos pagam impostos travestidos como uma empresa de tecnologia. São empresas de capital fechado e, por isso, não detalham os impostos pagos. Além disso, a cada nota fiscal emitida, o motorista parceiro que opera na plataforma paga para o governo de duas formas: como microempreendedor individual (MEI) ou Simples Nacional.

Outra situação importantíssima a ser discutida é o número de carros limite para a prestação do serviço em cada cidade, para que não se prejudique a mobilidade urbana e, principalmente, não se crie uma nova reserva de mercado de transporte de passageiros, a exemplo do que aconteceu com o serviço de táxi.

Quando questionados, os aplicativos informam que o consumidor reconhece que as companhias não fornecem serviços de transporte ou logística, nem mesmo funcionam como uma empresa de transportes. O que eles alegam é que todos os serviços de transporte ou logística são prestados por contratantes terceiros, ou seja, os motoristas, que não são contratados, e sim, parceiros.

Regulamentar esse tipo de serviço é uma polêmica que deve se estender a outros serviços da economia colaborativa como Airbnb e Etsy, mas é certo que a grande influência digital na prestação de serviços no século XXI inicia uma nova era, a qual estamos apenas engatinhando, não só no Brasil como também no mundo. Seus efeitos e impactos começarão a ser sentidos nos próximos anos junto à economia e a sociedade, com a implacável evolução das relações de trabalho e consumo oriundas da tecnologia digital. Ricardo Meneses dos Santos é advogado especialista em Direito Processual do Trabalho, em Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuárioe em Compliance Trabalhista e Gestão de Pessoas. Na unidade de São Paulo do escritório Kuster Machado, assume as operações das áreas consultiva, contencioso de relações trabalhistas, portuárias e empresariais. O especialista conta com 16 anos de experiência.

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