ARTICULISTAS

É possível alcançar a "felicidade de se viver juntos?"

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 19/04/2022 às 21:50Atualizado em 18/12/2022 às 19:19
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Assisti uma reportagem sobre receitas de bolos/biscoitos da roça em comunidades rurais atuais. Dentro do tema, fomos levados a conhecer as pequenas propriedades e as várias atividades de produçã bananas, milho, leite, ovos, farinha de moinho e outras. Também fomos introduzidos ao tema dos óbices e alavancas econômicas que afetam a todos, a saber, os animais selvagens habitantes das redondezas, verdadeiras ameaças aos pequenos, como galinhas, patos, leitões e até mesmo aos próprios proprietários.

No entanto, eles lidam com estes de forma singular: veem os javalis como aqueles que roçam os bananais, disputam rapidez e esperteza para apanhar primeiro os ovos e recolher no galinheiro, bem protegidos, os frágeis, e, se algum lobo-guará faminto espreita o galinheiro, deixando as galinhas nervosas e assustadas, escolhem uma para oferecer ao mesmo. Durante a reportagem, exibem cenas do lobo-guará com as galinhas filmadas com celular. Eu não tinha pensado nesta solução e me fez notar semelhança incrível com os povos primitivos que faziam “oferendas aos deuses perigosos”, sacrificando crianças, jovens, adultos e animais, na esperança de que pudessem aplacar a ira divina! Nessa situação, ofereciam ao lobo faminto e perigoso uma galinha, para evitar o sofrimento de todas as outras e até mesmo dos homens ou, ainda, defendendo as boas e nutridas poedeiras. Uma tentativa de lidar com a situação de viverem juntos na floresta que alimenta e, ao mesmo tempo, traz perigos de vida.

Buscando inspiração teórica, lembrei-me dos textos freudianos que tratam dos aspectos sociológicos da psicanálise, onde constata que os homens não podem nem suportar a civilização e nem viver sem ela, eles devem estar juntos/separadamente. A natureza do Outro, cuja civilização sustenta a figura, constitui o paradoxo do sujeito humano. De fato, o homem apreende esse

Outro como uma instância estrangeira francamente hostil, desconhecendo que ele é, na realidade, a estrutura simbólica da linguagem que o constitui, ele mesmo, como sujeito e que, sem esse Outro, ele não existiria, posto que não pode retornar à condição animal. Na verdade, o homem se revolta de fato contra aquilo que o faz homem. O Outro da linguagem não é o Outro do biológico que salva da morte o ser primitivo impotente. Assim, diante da civilização que produz a figura imaginária do Outro, o sujeito humano se encontra na posição da pomba de Kant, irritada contra o ar que impede seu voo, mas ignora que sem o ar a questão do seu voo não se colocaria.

Ilcea Borba Marquez

Psicóloga e psicanalista

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