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O luto imposto

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 22/07/2020 às 07:04Atualizado em 18/12/2022 às 08:03
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A busca incessante ao prazer e estímulos sensoriais atuais em total detrimento do aperfeiçoamento sentimental não deixa espaço para experimentar a perda, a dor e o luto. No entanto, esta experiência com o Coronavírus, conhecido como Covid 19, impôs um retorno obrigatório ao indesejado, desafiando o homem pós-moderno a restrições extremas que envolvem perdas significativas no campo do prazer e dos estímulos sensoriais. As submissões às restrições sociais de convivência, lazer e trabalho nada mais são do que experiências de depressão.

O luto pede quietude, recolhimento, reflexão, tristeza – disposição corajosa de experimentar o sombrio em oposição à velocidade maníaca –, movimento de negação da sombra, da dor, da tristeza e, consequentemente, do luto. Hoje não há lugar para o luto. A rapidez se impõe nos novos códigos sociais ao fazer a apologia do instante, do prazer incessante, da festa, do eterno e da juventude. O tempo e a finitude são negados – horror a tudo que lembra falibilidade (doença, cansaço, dor, envelhecimento, perda da beleza e morte). A exigência de imortalidade persiste no mundo mental como um produto do desejo moderno.

A pandemia impôs-nos o luto e abriu também a discussão para o depois do luto. A vida humana é um grande ciclo de perdas e medos a elas associadas: a separação da mãe matriz, da mãe nutriz, das próprias fezes como parte de si e de seu corpo, do amor do outro, e finalmente o mais significativo e persistente: perda do amor de si mesmo a aprovação do superego. Mas a cada um desses momentos pode ser articulado um ganh o nascimento para a vida, o descolamento do seio, a afirmação da autonomia e o encaminhamento para administrar uma “dependência madura”.

Os pequenos lutos ou lutos invisíveis se acham presentes no nosso cotidiano sob a forma de uma indisposição, uma tristeza sem nome, passageira, um “hoje não estou bem” uma discreta manifestação psicossomática.

A aceitação do luto não significa uma apologia da tristeza ou ainda uma adesão ao sombrio. Reconhecer que algo passou, o tempo de um amor, de uma fase da vida, de um bem material, de uma emoção intensa, se bem elaborado abre caminho para a usufruição do momento seguinte, para a verdadeira experiência da alegria, da satisfação de estar vivo, da valorização da descoberta de outros espaços, de outras experiências e a ampliação das relações com as pessoas e com o mundo.

Ilcea Borba Marquez

Psicóloga e psicanalista

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