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O corpo solicita leitura

O corpo é um organismo isento de história e significação. O corpo esvaziado

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 17/12/2019 às 17:46Atualizado em 18/12/2022 às 02:55
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O corpo é um organismo isento de história e significação. O corpo esvaziado de seu caráter simbólico é também esvaziado de qualquer valor. O corpo sendo declinado em peças isoladas, num conjunto de órgãos, ajuda a medicina a encará-lo nas especialidades do cuidado para o nosso desassossego, dificultando o entendimento do sofrimento do sujeito. Essas afirmações, presentes no discurso científico técnico atual, denunciam o quanto o corpo é um instrumento não acabado, alvo de constante modificação e ratificação. Às vezes o homem coloca-se num narcisismo de controle absoluto sobre este e, por outro, num esquecimento/alienação demonstrando rigor na luta contra este corpo pleno que acaba por ser uma negação da própria carne. Contrariamente aos ditos iniciais: o corpo é o palco das dores, da doença e de nossas marcas e que em sua radicalidade, o sujeito se revela como agente responsável. 

Nossa sociedade fomenta o gozo da própria imagem representada pela identidade do eu. A busca do corpo ideal revela na verdade a busca pela perfeição no contexto de uma sociedade dominada pela ênfase no narcisismo. Atualmente o corpo passa a ser uma medida do desempenho do indivíduo e encontra forte respaldo sobre o argumento de bem-estar individual.

Tanto a voracidade alimentar quanto a anorexia ou bulimia representa a impossibilidade de uma expressão verbal referida às insatisfações, frustrações, tristezas e decepções próprias do viver. Nestes casos, o corpo expressa aquelas agora em referência ao real do corpo. Tanto o sujeito quanto o próprio corpo estão atordoados, impossibilitados de elaborar suas próprias questões.

Sabemos que o adoecer não é somente fruto de questões fisiológicas, mas também socioculturais já que o corpo enquanto realidade não existe fora do social a que obedece tanto às regras explícitas quanto implícitas que ordenam o modo de agir e as experiências vividas sempre em consonância ao social.

Lipovetsky nos alerta que saímos da era do dever e obrigações e entramos numa fase da ética indolor, ou seja, uma era da felicidade de massa que celebra a individualidade livre e multiplica as escolhas e opções ao infinito. A era das individualidades abre para um futuro difícil de determinar. Quanto mais a sociedade se torna individualista mais ela busca por identidade, um sentido para a vida, mesmo que não seja fácil pela razão das pertenças serem múltiplas.

(*) psicóloga e psicanalista

e-mail – [email protected]

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