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200 milhões de reféns do caminhão

Mais uma vez, os caminhoneiros pararam o país. Sentindo-se enganados em 2014

Dirceu Cardoso Gonçalves
Publicado em 26/05/2018 às 20:44Atualizado em 17/12/2022 às 09:59
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Mais uma vez, os caminhoneiros pararam o país. Sentindo-se enganados em 2014, quando o governo lhes prometeu atendê-los e não cumpriu, agora vieram mais exigentes. Garantiram só reabrir o tráfego de mercadorias pelas estradas depois que suas reivindicações forem atendidas e publicadas no Diário Oficial. Ainda não sabemos quais os níveis de aceitação ao acordo firmado quinta-feira com o governo, que vai subsidiar o combustível, pois existem parcelas insatisfeitas e radicalizadas entre os grevistas. Faltam o próprio diesel, etanol e gasolina, alimentos e até remédios. Menos de uma semana de caminhões parados nos trouxe a essa situação. E o pior é que a crise – se é que foi resolvida – terá de ser renegociada a cada 30 dias, podendo tudo se repetir em caso de desacordo. Ainda mais: motoboys, transportadores escolares, condutores de Uber e outros consumidores de combustíveis ameaçam parar em busca de soluções iguais ou parecidas às que se ofereceu aos caminhoneiros e outros consumidores do diesel.

O governo tem o dever de exigir a desmobilização imediata do movimento paredista, pois já ofereceu a alternativa possível. Agora tem de exercer o seu papel garantidor do direito de ir e vir da população e o acesso aos insumos de que necessitamos para o dia-a-dia. Por mais que tenham razões em suas reivindicações, não é lícito aos transportadores travar a vida de todos os brasileiros. O que as autoridades não conseguirem pelo diálogo, terá de ser pela força, para evitar o mal maior. E os radicais que tentam levar o movimento ao impasse e até forçar a intervenção militar precisam considerar que esse pode ser um remédio muito amargo. É melhor que a solução se dê entre os poderes constituídos.

A carga tributária brasileira é escandalosa e precisa ser reduzida. Mas isso não é coisa recente e não se resolve num passe de mágica. O país depende de ampla reforma tributária e administrativa e o governo, que arrecada dos impostos, precisa reduzir seus gastos (muitos deles abusivos) para que as despesas não continuem ultrapassando o valor da receita. Os combustíveis, cujo consumo impacta os preços dos transportes e de toda a economia nacional, realmente, deveriam ter carga tributária menor, como ocorre nos países vizinhos, que importam do Brasil os derivados do petróleo e os vendem à população pela metade do preço cobrado aqui.

O que temos hoje é o resultado de décadas de imprevidência e abandono. O desenvolvimento nacional foi construído em boa parte através dos trilhos das ferrovias. No começo dos anos 50 do século passado, quando a população brasileira era de apenas 50 milhões de habitantes, chegamos a ter 34.207 quilômetros de estradas de ferro ativos com o transporte de cargas e passageiros. A falta de investimentos na ferrovia e a entrada da indústria automobilística fez a malha ferroviária encolher para os atuais 30.129 quilômetros, a maior parte abandonada ou subutilizada. Os caminhões, que em qualquer país sério e organizado fazem apenas a ponta do transporte – entre o terminal ferroviário, aéreo ou aquaviário e o destinatário –, hoje respondem com 60% de todo o transporte no país de mais de 200 milhões de habitantes. A raiz do problema está aí e o resto todo é consequência...

(*) Tenente; dirigente da Aspomil (Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo) 

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