ARTICULISTAS

A maioridade penal e a ausência de debate

Estamos todos a assistir, por força de divulgações constantes da mídia, ao rápido trâmite de projeto que reduziria

Luiz Fernando Valladão
Publicado em 01/01/2016 às 09:51Atualizado em 16/12/2022 às 20:40
Compartilhar

 A maioridade penal e a ausência de debate

Estamos todos a assistir, por força de divulgações constantes da mídia, ao rápido trâmite de projeto que reduziria a maioridade penal para os 16 anos. A polêmica surgiu num contexto de desalento da sociedade, que assiste atônita à criminalidade crescente e cada vez mais próxima de todos nós. O quadro se agrava quando se verifica que o crime, no atual instante, está instalado, de forma constante e quase oficial, nos partidos políticos e nos gabinetes mais poderosos.

E a reação da sociedade, clamando por punição, é natural e até esperada, ainda mais se verificado for o estranho silêncio de importantes entidades que deveriam reagir.Em outras palavras, ante à quase falência do Estado e das entidades civis mais relevantes, todos querem punição e, se possível, rápida e com contagiante publicidade.

É óbvio que tal situação ensejou debate de ordem jurídica, ao ponto de vozes respeitadas sustentarem ser “cláusula pétrea” – e, portanto, inalterável mesmo por Emenda Constitucional – a disposição que afiança ser a maioridade penal alcançada apenas aos 18 anos. O argumento utilizado é o de que os direitos e garantias individuais não podem ser abolidos, a teor do art. 60 §4º inc. IV da Constituição Federal, sendo que aí se inclui o princípio que assegura a dignidade humana (art. 1º inc. III CF). Adiante, concluem os defensores dessa tese que a maioridade aos 18 anos está protegida pelo referido princípio da dignidade humana e, em última análise, não pode ser alterada (cláusula pétrea).

Parece-me forçado esse raciocínio, pois, na verdade, a dignidade humana, embora relevante, não pode encontrar tal grau de elastério e subjetivismo, ainda mais se for para obstar a ação legítima do Poder Legislativo. Se for para seguir esse tipo de ilógico raciocínio, poder-se-ia dizer que também ofende a dignidade humana não proteger o cidadão que é vítima de delito praticado por menor de 18 anos.A redução da maioridade penal não deve, realmente, ser implementada, mas por outras razões.

Com efeito, no Brasil, infelizmente, no embalo desse inconformismo geral, prende-se, provisoriamente, a todo instante, mesmo sem culpa definida do réu e sem reais motivações para acautelar a sociedade com sua prisão.

Submeter, doravante, o adolescente de 16 anos a esse perigoso critério jurisprudencial é corporificar a inconsequente vingança de todos nós contra os mais fracos e pobres. As prisões não recuperam; pelo contrário, trazem mais revoltas.

A situação, no aspecto legal, pode ser melhorada com alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), a exemplo da ampliação do período máximo de internação do menor.

No fundo, convenhamos, a responsabilidade é do Poder Executivo, que precisa investir mais em políticas de educação e segurança. Todavia, este se encontra imobilizado e refém de crises políticas decorrentes de acusações graves de corrupção. O mais sensato, neste instante, é que em vez de permitir votação às pressas e impulsionada por viés demagógico, o Poder Legislativo assuma suas responsabilidades e debata mais intensamente com a sociedade sobre a maioridade penal.

Luiz Fernando Valladão

Advogado, professor universitário e procurador do município de BH

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por