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O Padre Prata é de ouro

Ainda se ressente a população citadina, mormente a que professa a fé católica

Sérgio Tiveron Juliano
Publicado em 20/04/2019 às 09:52Atualizado em 17/12/2022 às 20:07
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Ainda se ressente a população citadina, mormente a que professa a fé católica, do falecimento do Padre Thomaz de Aquino Prata, homem de muitas histórias, querido e admirado por todos que o rodeavam, até pela minha sogra, Caramanê Toledo Campos, que aqui não reside, mas fazia questão que lhe guardasse os exemplares do Jornal da Manhã que contivessem seus escritos regulares. 

Conheci-o pessoalmente numa reunião de amigos comuns. Logo, passamos a dialogar assuntos variados. Ele, com sua fé inabalável; eu, com meu agnosticismo, diferença que não nos impediu de prosseguir numa prosa amistosa. Eu, claro, já o conhecia de vista e por meio de seus escritos e homilias em casamentos, sem contar a amizade e o carinho que dedico ao seu irmão, Professor Hugo Prata, também escritor de mancheia, fato comum a vários membros da Família Prata. Num dado momento, Padre Prata e eu passamos a divagar sobre Filosofia da Ciência, assunto de meu interesse, particularmente pela importância de Karl Popper para o esclarecimento do conhecimento humano (objetivo), por sua Teoria dos 3 Mundos e seu método-hipotético-dedutivo-crítico-eliminacionista (levado ao Direito pela Teoria Neoinstitucionalista do Processo do Prof. Dr. Rosemiro Pereira Leal), assunto que o Padre discorria com desenvoltura e elegância e admiração por Wittgenstein, filósofo pertencente ao Círculo de Viena (Escola Filosófica do início do séc. XX na Áustria), capital efervescente da intelectualidade mundial à época.

No entanto, algo me chamou a atenção, afinal, o Padre, homem de fé, nutria imensa simpatia pelo filósofo do “Tractatus” e expoente da Filosofia Analítica, que pretendeu resolver de vez a questão da verdade (princípio da verificação) como adequação da proposição à coisa e assim expulsar a metafísica do quadro das ciências bem-comportadas. Enquanto Popper, um agnóstico, que se anunciava como cético-esperançoso, entendia que a tarefa da experiência imediata não está em conferir sentido às proposições da filosofia e da ciência, nem em “verificá-las”, porque, ao manifestar sempre fatos particulares e individuais, não pode demonstrar a verdade de proposições universais e gerais como as que a filosofia e a ciência pretendem enunciar, já que a experiência apenas pode “rejeitar” (não verificar) tais proposições, porque, se uma proposição universal (“todos os cisnes são brancos”) não pode ser verificada por meio de nenhum número (por incontáveis repetições), grande que seja, é, pelo contrário, apenas necessário um fato negativo (“um cisne negro”) para demonstrar a falsidade da proposição universal. Desse modo, a metafísica não é destituída de sentido, apenas não pertence à ciência porque suas proposições não podem, por princípio, ser falseadas pela experiência.

No entanto, percebi que a predileção do Padre Prata por Wittigenstein se devia à sua percepção, intelectual com sólida educação filosófica que era, de que o princípio da verificação não é empiricamente verificável, sendo, por isso, um princípio metafísico, mas o que ele talvez mais admirasse no filósofo era exatamente o que lhe interessava diretamente: expressar-se e comunicar-se para todos, mesmo os de pouca fé, estabelecendo condições de construção de uma linguagem tão humana quanto possível, cujas proposições empíricas sempre tivessem sentido preciso e pudessem tornar sua escrita tão acessível, de modo a pôr em relevo que o sentido da existência do homem não se pode reduzir só aos problemas da vida cotidiana, cuja solução é dada em princípio pelas ciências modernas da natureza e da sociedade, porque vida e ciência são algo que deve ser posto em questão, e a contraposição entre ambas tem um lugar comum, como já percebeu a filosofia contemporânea, que é a exigência de estabelecer a configuração autêntica do DEVIR do homem.

Relacionamento estabelecido, certo dia, para minha surpresa, recebi a visita do Padre Prata em meu escritório para me presentear, logo a um agnóstico, com dois volumes de um exemplar raríssimo de uma Bíblia Sagrada, toda escrita em latim (Vulgata Latina), edição do séc. XIX, com a seguinte mensagem, numa caligrafia irretocável: “Sérgio. Como você gosta de livros, dou-lhe de presente um que me é caro. Considero-o uma preciosidade: é do ano de 1862, Pontificado de Pio IX. Seu valor é histórico. Tudo nele é original, inclusive o cheiro... Gosto de quem gosta de livros, de ler, assim como ‘timeo hominem unius libri’ (Cícero). Um abraço do Padre Prata”.

Preciosa foi a amizade com que ele me presenteou, sem nada exigir, assim como sua vida plena dedicada à pregação religiosa, ao próximo e à educação humana. Por isso, “ARGENTUM ET AURUM PATRIS”. Saudades!

(*) Advogado

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