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Resquícios do Amor nos Tribunais

No desenvolvimento da temática, recorro a uma terminologia pertinente...

Marli Martins de Assis
Publicado em 12/03/2016 às 20:09Atualizado em 16/12/2022 às 19:45
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No desenvolvimento da temática, recorro a uma terminologia pertinente e comumente empregada pelo presidente do IBDFAM, Dr. Rodrigo Pereira da Cunha, quando afirma que “os restos do amor vão parar no Judiciário”. Sim, os sujeitos utilizam o cenário do Direito de Família para processar suas emoções e, quase sempre, sua primeira queixa reflete metaforicamente conhecido verso, “… e o anel que tu me deste era vidro e se quebrou”. Rompem-se os laços que um dia foram significativamente reconhecidos enquanto enlace matrimonial.

O Direito de Família suplanta a ordem jurídica por sua essência de trânsito pelas subjetividades. Os magistrados têm necessidade dos dados de fato, dos documentos, para afirmar ou negar o direito. Em contrapartida, no cenário processual familiarista, os sujeitos se revelam e o que trazem aos autos ou às salas de audiência são suas emoções; são sentimentos de amor e ódio e seus desejos de vingança e de retaliação. O Outro precisa ser despojado de seus bens (materiais e humanos) e várias são as consequências desastrosas às estruturas e dinâmicas familiares. Assim, a realidade no Direito de Família não consiste em fatos e provas. É preciso adentrar a realidade subjetiva dos sujeitos, se o que se pretende é compreender e ressignificar o conflito que permeia referido vínculo. Faz-se necessário que os profissionais que atuam nessa seara sejam sensíveis à escuta do Outro, num espaço de criatividade pessoal e social, por intermédio da linguagem, compreensão e comunicação.

A compreensão do mundo vivido e não abstraído ideologicamente ou formalmente requer uma nova forma de conceber e entender a natureza do conflito humano, seja pela análise do Eu ou pela compreensão da existência de um Outro distinto de si. Assim, se o que pretende ser resolvido no cenário jurídico do Direito de Família são conflitos e fenômenos da ordem da subjetividade, mudanças urgentes na forma de compreender os problemas contemporâneos se impõem, no sentido de ultrapassar qualquer lógica cartesiana e firmar uma concepção ternária, esta última com seu alcance à  complexidade do agir e do sentir humano.

É momento de ultrapassar os próprios limites na busca de um sentido ético para o humano. É preciso abandonar velhos conhecimentos e esgarçadas formas de ver e compreender o Outro, bases quase sempre da arrogância e da prepotência. Nos versos de Clarice Lispector (A Paixão segundo G.H) encontro sentido às minhas reflexões, “ (…) tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação”.

(*) Psicóloga Judicial, presidente do IBDFAM – núcleo de Uberaba

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