Livro no lixo
Dentre os objetos que vão parar no lixo, um está separado dos demais por carregar consigo certa síndrome indecifrável, que é: depois de muito servir, descartam-lhe, como muitas vezes é descartado até o seu próprio dono. Esse objeto é o livro.
Dia desses, certa cidade, vista como relativamente aculturada, viu estampada na imprensa notícias dando conta de que centenas de livros foram encontrados numa caçamba de lixo, em plena avenida principal. Confesso que nenhuma das notícias daquele dia me tocaram tanto quanto à daquele “descarte literário”. Livros e outras preciosidades estavam ali, naquela fria manhã, para quem os quisesse, num atestado de que pouco ou nada mais valiam. O livro tem parentesco direto com a ave Phoenix; só que ele, antes de virar cinzas, sempre encontra alguém no fim da linha para, antes, fazê-lo ressurgir. No final do seu pesadelo, tem lá um salva-vidas! Os autores asfixiados emitem S.O.S.!
As enciclopédias jogadas no lixo pertenceram a um culto advogado, aqui denominado Doutor “X”. Imaginei sua incomum perspicácia ao adquirir, pesquisar e zelar daquele polivalente acervo. Quantos trabalhos jurídicos seus devem constar em processos judiciais, cujos embasamentos saíram daquelas páginas amontoadas numa gelada caçamba! A argúcia de Dr. “X” e o episódio que ocorreu com seus livros são dois extremos dificílimos de ser descritos.
A luz no fim do túnel foi acesa por uma senhora trabalhadora, que recolhe material na rua para reciclagem. Ao informar o fato à Biblioteca Municipal da cidade, aquela especial senhora foi bem acolhida e viu o seu gesto ser transformado no que muitas cidades sonham em realizar: levar livros que estão no lixo para morar num Palácio, como antes moravam aqueles do Dr. “X”.
Fui ver de perto a caçamba de onde os funcionários da Biblioteca resgataram os livros. Ela permanece lá, estática, aceitando tudo. Vi ali um portfólio com estampas de pinturas raras e selos das famosas Spanish, English e German School, compondo aquele rico acervo. Um diamante para arquitetos e cultores da arte!
É de se perguntar: por que o livro, depois de servir tanto, muitas vezes tem esse destino, o lixo?
