ARTICULISTAS

O homem e a vassoura

João Eurípedes Sabino
Publicado em 29/04/2021 às 21:08Atualizado em 18/12/2022 às 13:28
Compartilhar

O homem e a vassoura precisam de um canto, senão ele perde o encanto e ela desequilibra até cair. Eis a frase certa para definir a importância de o ser humano ter o seu lugar, assim como a vassoura. Ambos sem um canto é queda na certa.

O canto a que me refiro não é necessariamente um vértice. Dizia meu saudoso pai, Genésio Sabino, que o ser humano precisa, sim, de um endereço, ainda que seja debaixo de uma ponte. Esse é o cantinho que cada um deve ter. A vassoura não foi feita para se apoiar numa superfície lisa, pois, além de estorvo, um simples esbarrão pode derrubá-la. Falta-lhe a estabilidade.

Quando o meu amigo Walter de Castro Cunha completou seus noventa anos, fui até a sua residência para cumprimentá-lo. No palacete da Praça Rui Barbosa n.º 14/248, fiz dele algumas fotos e lhe pedi para se postar no lugar que mais gostava de ficar nos seus áureos tempos. Walter escolheu um canto da sacada frontal à praça e ali me pareceu viajar longamente no tempo... Obtive, então, sua foto mais emblemática. Veio-me à mente a bela crônica “Os velhinhos da Praça Rui Barbosa”, do amigo Padre Prata.

Quantos de nós sabemos de histórias reais em que pessoas, mesmo morando num casebre, têm seus cantos preferidos e ali parecem majestades, sentadas em seus tronos. No palácio e no casebre, as vassouras estão em seus cantos.

“Dotô, eu perdi o prumo, não consigo mais me equilibrar”, assim respondeu a mim e ao amigo Jorge Cunha, em 2014, um senhor que, com fome, comia numa marmita, sentado no pátio do Posto Zote, em Uberaba, às margens da rodovia BR-050. Vi ali a nítida imagem do homem sem rumo e da vassoura; ambos sem um canto. Soubemos em seguida que se tratava de um engenheiro que perdeu seu canto e o encanto no seio familiar.

Pouquíssimos, ao olharem uma vassoura, têm a ideia do que ela representa. Seja de pelos naturais ou nylon, piaçava, folhas de coqueiro e outros materiais, a vassoura sempre irá emitir a silenciosa mensagem de que o seu lugar é num canto. E o ser, seja ele abastado, remediado ou carente, precisa do seu canto, pois na convergência das paredes é que ele se encontra.

“E não sabia que doía tanto. Uma mesa num canto...”, Sérgio Bittencourt fez bela ode em “Naquela mesa” a seu pai, Jacó do Bandolim. “Seresta moderna agora é hi-fi. Num canto de sala de um apartamento”, Adelino Moreira concebeu “exclusivamente” para Nelson Gonçalves. “E cada qual no seu canto. E em cada canto uma dor”, fez Chico Buarque em “A banda”, que o inscreveu no cenário para sempre.

Você pode me deixar no meu canto? Quantas vezes suplicamos a quem nos aborrece? Tendo lá uma vassoura, um completa o outro.

Colaboraram: Vanda Elisabete Cordeiro da Silva e João Ribeiro da Silva Filho.      

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por