ARTICULISTAS

Legados para a posteridade

João Eurípedes Sabino
Publicado em 18/12/2020 às 19:15Atualizado em 19/12/2022 às 05:43
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O ano era 1980, os meses, fevereiro e março. As chuvas torrenciais transbordaram o rio Tocantins, fazendo inacessíveis estradas, pastagens, lavouras e matas nas cercanias de Araguaína. Cidades outras também viveram tempos de isolamento nada gratos de serem lembrados.

Naquele tempo o Estado de Goiás ainda não havia sido desmembrado para ter a seu norte, Tocantins. Na tortura que viviam milhares de pessoas com água por todos os lados, estava o meu saudoso pai Genésio Sabino da Silva tendo três caminhões carregados com esteios de aroeira.

Comunicação obstruída, contatos físicos só com helicópteros ou canoas e mesmo assim numa precariedade franciscana. Muitas famílias já haviam assimilado a ideia de que seus chefes poderiam ser dados como desaparecidos. Meu irmão Raul Sabino, que pertencia à Força Aérea Brasileira, recorreu ao Serviço de Busca e Salvamento-SAR, sem lograr êxito. Eh... ficamos sem o nosso pai, assim pensamos.

Eis que entra na odisseia o amigo Antônio Abrão, que se ofereceu para exercer o seu voluntariado através da Estação de Rádio Amador, então instalada em sua residência. Fui amavelmente recebido por ele e sua esposa D. Maria Abadia Abrão que me levaram ao andar no subsolo. Com hora marcada Abrão e sua irmandade iniciaram uma rodada que cobria do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Cada um por sua vez abraçou a causa de meu pai e, de repente, o Brasil inteiro estava à procura do nosso herói que há mais de dois meses não mandava notícias para a família.

Antônio Abrão, com seu coração vezes maior do que a sua estatura avantajada, passou a palavra a um irmão de Araguaína. Com incomum disposição na fonia, aquele emissário de Deus sentenciou: “Se o irmão de Uberaba estiver aqui, ele será encontrado”. No dia seguinte o amigo Antônio Abrão me convocou para estar a seu lado, pois tinha uma boa notícia a me passar. Com o volume do rádio a toda potência, eis que o irmão de Araguaína (portador de Hanseníase aguda) me deu a surpresa das surpresas: meu próprio pai estava na estação de rádio e falou comigo causando-me emoção até hoje indescritível.

No dia 6 de abril ele já estava em casa e minha mãe Adalgisa, em face do seu megaestressse chagásico, faleceu no dia 8.

Por que demorei tanto para render este tributo a Antônio Abrão? Primeiro porque, até hoje, ao entrar na agência central do Banco do Brasil em Uberaba, “vejo” a sua imagem chamando a todos de irmãos. Segundo, porque os grandes homens deixam seus legados para a posteridade.        

         

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