Não é de se estranhar as muitas dúvidas que surgem na interpretação da legislação tributária do Brasil. A enorme complexidade, dubiedade e contradição que caracteriza os atos normativos no País é um já conhecido entrave à segurança jurídica e ao desenvolvimento.
Aliás, a insegurança jurídica vem ganhando contornos trágicos. Já não se sabe mais, ao certo, o que é devido e o que não é. Frequentes reviravoltas jurisprudenciais vêm causando também instabilidade social.
Pois bem. Nesse contexto, o setor rural não foge à regra e sofre do mesmo mal.
O Funrural é o exemplo recente mais visível dessa deterioração sistêmica que agride a confiança do produtor. Após inúmeras decisões do Poder Judiciário pela inconstitucionalidade, inclusive uma da Corte Constitucional em repercussão geral e por unanimidade em 2011, o STF, em 2017, voltou atrás e julgou a contribuição válida. O fundamento é uma lei de 2001, que não foi considerada no primeiro julgamento do Supremo, mas, para espanto geral, quando da votação já estava produzindo efeitos há uma década.
Para tentar atenuar o malfeito e as desastrosas consequências desse triste episódio, mesmo antes do julgamento dos Embargos de Declaração com o necessário pedido de modulação apresentados ao STF por diversas entidades, entre elas, a SRB e a ABCZ, a União ofereceu um parcelamento ao produtor e aos adquirentes, o PRR, com parcelas alongadas (176x) e desconto nos juros de mora (que inclui a correção). Para adentrar ao programa, será necessário confessar a dívida e começar a pagar o passado desde já.
O PRR tem prazo de adesão até 28/02, caso não haja prorrogação, o que vem sendo buscado pela Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional.
Outro problema é o Senar. Funrural engloba INSS e SAT/RAT, mas não o Senar, que, inclusive, não pode ser parcelado no Programa de Regularização Rural (PRR). Para ficar mais claro, da alíquota antiga de 2,3% do produtor rural pessoal física, o chamado Funrural corresponde a 2,1% e o Senar a 0,2%.
Para não dizer que existem apenas más notícias, a mesma lei do PRR diminuiu a alíquota do INSS do setor para 1,2%, já em vigência. Assim, o produtor pessoa física passou a pagar 1,5%, sendo 1,2% de INSS + 0,1% de RAT/SAT + 0,2% de Senar sobre a receita.
Também vale ressalvar a possibilidade de deixar de recolher sobre a receita para contribuir sobre folha de pagamento, nos mesmos moldes dos empresários urbanos, a partir de 2019. Cuida-se de opção que poderá ser exercida pelo produtor rural.
Por fim, nessa sopa de letras, vale destacar que a CNA, que é a contribuição sindical patronal do setor rural, deixou de ser obrigatória.
A CNA publicou editais e tem enviado cobranças, sem o devido alerta da faculdade de pagamento, o que tem gerado confusão. Ainda que existam questionamentos judiciais das entidades sindicais, fato é que a reforma trabalhista tornou a contribuição sindical facultativa já em 2018.
Marcelo Guaritá B. Bento é advogado tributarista e professor do PECEGE ESALQ/USP ([email protected]).