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Medo, fobia e pandemia

Sandra de Sousa Batista Abud
Publicado em 13/08/2020 às 06:49Atualizado em 18/12/2022 às 08:44
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“Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não contaremos o ódio, porque este não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte. Depois morremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.” Carlos Drummond de Andrade

O que é medo? Medo de Covid-19, medo de explosão - como a de Beirute - medo da morte... Medo de quê?

O medo nos atinge quando alguma coisa ou alguém ameaça a nossa sensação de estabilidade, o nosso equilíbrio, a nossa segurança, a nossa sobrevivência. O medo é o estado afetivo suscitado pela consciência do perigo. É temor. É receio, é apreensão em relação a algo desagradável. Surge como alerta a algo desagradável. Surge como alerta ao perigo. O medo é inerente ao ser humano. Enfrentamento, entrega, paralisação, fuga são reações diferentes ao medo. Sentir medo é natural e se relaciona ao instinto de sobrevivência. Já o medo intenso, desproporcional, além da medida para se tomar uma decisão, relacionado a objetos, comportamentos, situações, prejudicando os relacionamentos, se trata de um distúrbio fisiológico e se denomina fobia.

A fobia se caracteriza por um estado de angústia impossível de ser dominado, com violenta reação de evitamento frente a certos objetos ou situações presentes, imaginados ou mencionados, havendo uma grande desproporção entre a emoção e a situação que provoca o comportamento fóbico. Este distúrbio é persistente e causa horror ao indivíduo. A fobia se trata de uma hipersensibilidade que provoca grande ansiedade, estresse, pavor em altos níveis prejudicando o comportamento social do sujeito. Assim, a fobia causa perdas e limites nas ações do indivíduo fóbico, podendo imobilizá-lo ou causar doenças psicossomáticas. A impossibilidade de afastamento e a impossibilidade de enfrentamento da situação estressante causam aumento da produção de adrenalina, alteração do ritmo cardíaco e taxa respiratória, tremores musculares, hiperatividade com desorganização motora, sobressaltos, prejuízo do pensamento, alterações metabólicas, choro, vômito, diarreia, desmaio – máxima forma de fuga da situação – preocupação desmedida, previsão de ameaças, sudorese, alteração do sistema digestivo e respiratório entre outros incômodos. Tais sintomas, alguns de ordem subjetiva, totalmente incontroláveis, infernizam a vida do sujeito fóbico sem tratamento adequado, limitando as suas atividades e interferindo profundamente na qualidade de vida com consequências fisiológicas e subjetivas inúmeras.

         O medo é uma das emoções primárias do homem e surge no processo de evolução humana como um alerta ao perigo e como mecanismo de defesa, mas pode evoluir para a raiva e tornar o sujeito bastante agressivo. Intensificado, o medo pode se converter em fobia.

         A diferença entre medo e fobia está na quantidade de tempo e intensidade. O medo é passageiro, a fobia é persistente, duradora e exige tratamento específico.

Em tempo de pandemia, de Covid-19, de enfrentamento e defesa deste grande inimigo invisível – o coronavírus – é interessante lidar com este medo, apenas como mecanismo de defesa, com controle, e não permitir que ele se transforme em distúrbio psicológico, em uma problemática fobia e não nos conduza à morte como o medo do poeta Drummond, em seu poema.

*Psicóloga Clínica e-mail: [email protected]

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