O pessoal do ramo (compositores, músicos, cantores e críticos honestos) não tem, e com razão, o menor receio de afirmar que a música popular brasileira é uma das mais belas do mundo, conceito avalizado por gente entendida do assunto no planetinha Terra. Vale lembrar que aqui também se faz um montão de músicas descartáveis. Houve uma época na minha adolescência em que os jovens estudantes de inglês se atreviam a cantarolar Blues, mesmo com pronúncia assassina, e não estavam nem aí para as gozações; o importante era dar asas ao incontido ego.
O tempo passa e a caravana também... Somente tempos depois, damos conta da tolice praticada, ao perceber que quanto mais fox trot importado, maior remessa de dólares voava para a casa que sempre foi Branca e cada vez mais seus gulosos e sorridentes habitantes aplaudiam nossos humildes habitantes. É imperioso ressaltar que também lá existem cantores, compositores, músicos, maestros e orquestras de excepcional qualidade. Destarte, seria importante para nós que nossos irmãos do mundo todo, principalmente os dos Estados Unidos, tivessem o ensejo de absorver o incomensurável sabor do Brasil musical; lembrar não custa nada, já foi pior. Nesse contexto, coube a Noel Rosa – o poeta da Vila Isabel – mandar o recad
“O cinema falado / É o grande culpado / da transformação / Dessa gente que pensa / Que o barracão vale mais que o xadrez / Lá no morro / Se eu fizer uma falseta / A Risoleta desiste logo / Do francês e do inglês...
Não levou muito tempo para que o talento de nossos artistas atravessasse oceanos e conquistasse gerações de admiradores de todo o mundo; entre eles, Frank Sinatra foi o mais importante. Mais uma vez, vou colocar minha “colher no mingau alheio” e sugerir ao nosso respeitado Itamarati tratativas que envolvam a divulgação da música popular brasileira para todos os países que o Tratado Internacional permitir. Estou ficando louco? Talvez. Contudo, acredito ser um modo lúcido, eficiente e educado de mostrar que não somos egoístas. A população mundial também tem o direito de curtir o que de melhor há no meio musical de todo o planeta.
Ao escrever estas linhas, lembrei-me de um fato relevante sobre este tema, protagonizado por um imortal político brasileiro, o paulista André Franco Montoro (14-07-1916/16-07-1999).
Quando no exercício de suas atividades, ele telefonou para o vice-governador de São Paulo e, enquanto aguardava a ligação ser transferida, ouviu alguns compassos de uma música americana transmitidos pela central do Palácio dos Bandeirantes. Quando o vice-governador Geraldo Alckmin atendeu, ele disparou: “É um absurdo ouvir música estrangeira nos telefones do governo do estado de São Paulo! Isto precisa mudar. O que tem que tocar aí é música popular brasileira. Precisamos zelar pela nossa cultura! Temos grandes sambas e choros!” Se ele foi atendido, não fiquei sabendo.
Também vivi momentos iguais numa agência bancária de Uberaba. Durante um telefonema, após aguardar a espera da telefonista, ela me atendeu com “um momento, por favor”, e tive que escutar uma irritante musiquinha. Antes de dizer com quem eu pretendia falar, polidamente sugeri que ela convencesse seu chefe a trocar aquela cantiga e, se necessário fosse, eu enviaria músicas mais atraentes. Inacreditável!!! Uma semana depois daquele episódio, num telefonema nas mesmas circunstâncias, fui surpreendido com o balanço do choro “Flor Amorosa”, composto por Antônio da Silva Callado (11-07-1848/20-03-1880), com versos de Catulo da Paixão Cearense (31-01-1866/10-05-1946). O choro estava tão bom de ser ouvido que quase me fez esquecer o motivo principal do telefonema.
Osmar Baroni
Cirurgião-dentista, integrante da Academia de Letras do Triângulo Mineiro
