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Numa manhã chuvosa…

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 17/01/2022 às 20:40Atualizado em 18/12/2022 às 17:56
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Acordar e descobrir que o dia amanheceu chuvoso é desanimador para muita gente. Reconheça-se que para outros é muito bom: para quem pode ficar na cama, por exemplo, também para os agricultores que acabaram de plantar sua roça e, enfim, para quem precisa de água para beber, para viver, seja no meio rural ou na cidade. Sem a chuvinha – ou chuvona –, as nascentes não sobrevivem, não ocorre a recarga dos aquíferos, as plantas não crescem e não se desenvolvem, etc.

Embora eu não faça parte do grupo que pode ficar na cama curtindo a manhã chuvosa, eu me permito uns minutinhos de contemplação e recordação. Quando eu era criança, lembro-me que a chuva ao amanhecer me deixava sorumbático, principalmente quando estava passando as férias na fazenda do meu avô. Significava que não poderia andar a cavalo, não poderia ir pescar no corguinho no fundo do quintal, nada de passeios pelos capões de mato em busca de frutas do cerrado e de lugares novos para ampliar minha geografia.

O melhor de tudo é que raramente a chuva durava a manhã toda. Verdade que a angústia me dominava logo nas primeiras horas; antever que ela me forçaria a ficar em casa era terrível. Da janela do quarto ou da varanda, eu procurava sinais de que ela passaria em breve: o canto dos pássaros, as teias das aranhas, a direção do vento, o formato e o tamanho das nuvens e por aí afora. Eu me transformava num doutor em climatologia, especialista em previsão do tempo, desejando o fim imediato da chuva para que não atrapalhasse minhas atividades. Que ilusão!

Se a chuva continuasse, era bom partir para outros afazeres. Interrogar minha tia para extrair dela os segredos da família; convencer minha mãe de como eu era exímio cozinheiro; fuçar na caixa de ferramentas do meu pai e imaginar que eu daria conta de produzir móveis, brinquedos e soluções mágicas para o dia a dia, inclusive algum mecanismo para interromper a chuva. Se na fazenda estivessem mais pessoas, primos, primas, amigos e amigas, a solução eram os jogos de tabuleiro, o baralho e as brincadeiras para estimular o emocional: mímicas, competições e desafios. Em especial, conversas e reflexões. Leitura sim, televisão nem pensar! Se nesta época já existissem os celulares e as redes sociais, estaríamos todos apartados, com a solidão correndo solta nas ondas da internet. Ufa!

Não sou contra a tecnologia, é claro, mas acho que estão sobrando delírio, tapeação, e anda faltando raciocínio nos dias de hoje. Será que precisamos de uma boa chuva para nos fazer repensar o mundo e a realidade que nos cercam? Uma manhã chuvosa para nos ajudar a refletir sobre as contradições sociais, a política e aberrações, como o negacionismo científico, o autoritarismo, a apologia da ignorância e a distorção do passado.

Renato Muniz B. Carvalho

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