ARTICULISTAS

Conversa animada

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 23/08/2021 às 18:47Atualizado em 19/12/2022 às 02:33
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Dois celulares conversavam numa esquina movimentada da cidade. Confesso que não fiquei espantado quando vi a cena. Celulares estão tão tecnológicos e interativos que aquilo não me deixou intrigado. Normal! Nossos tempos são admiráveis! Daqui a pouco, celulares conversarão com cachorros, cavalos e até com passarinhos. Aplicativos já reuniram milhares de cantos de pássaros — os especialistas chamam de vocalização — e logo serão capazes de possibilitar diálogos complexos com as aves. Celulares se tornaram “pessoas da família”. Enganou-se quem achou que seriam chamados friamente de “telefone móvel” ou de “telemóvel”. Pra que isso?

Ficaram curiosos com a conversa dos celulares? Eu fiquei e cheguei bem pertinho para ver se escutava. Eu sei que era indiscrição da minha parte — afinal, ouvir conversa alheia é reprovável —, mas não resisti, ainda mais que estavam no modo “viva-voz”. Desculpem-me, eu quase fiz uma piadinha infame.

Voltando à conversa, percebi que falavam sobre educação. Ah, matéria nobre, relevante. Quisera mais pessoas conversassem sobre educação como aqueles dois! Falavam sobre democratização do ensino, tecnologias educacionais, internet para todos, as infinitas possibilidades abertas pela tecnologia 5G, geopolítica e outros temas da hora. Os celulares não são bobos! Estão antenados! Piadinha besta à parte, é fato!

Percebi que podiam discorrer sobre qualquer assunto. Conhecimento não lhes faltava: da área médica à literatura, informações sobre estradas, clima, astronomia, finanças e por aí afora; assunto tinham. Claro que poderiam estar fofocando, falando mal da vida de políticos e de artistas, inventando mentiras, mas estavam num debate notável, de grande valia para o futuro da humanidade: as possibilidades do uso do celular na educação.

A conversa ficou mais interessante quando mostraram alta capacidade de manejar suas memórias pessoais. Sabe-se que aparelhos semelhantes têm memórias, mas as deles eram recordações históricas e jornalísticas. Fiquei impressionado. Lembravam-se de que até pouco tempo atrás estavam proibidos de entrar em salas de aula em muitas cidades do país. Sim, chegaram a ser banidos, e, agora, ao que parece, a continuidade do processo educacional dependia deles. Que reviravolta!

Em várias câmaras municipais do país, nas assembleias legislativas estaduais e até no Congresso Nacional, diversos projetos de lei foram apresentados visando proibir os celulares no ambiente escolar. Ouviam-se com frequência relatos sobre celulares tocando música, jogando, mostrando cenas pornográficas e até sendo usados para colar! Sim, prezados leitores e leitoras, a famosa cola! Chegaram a ser proibidos em algumas escolas. Os debates mobilizaram a imprensa, envolveram mundos e fundos, quase sempre cercados por moralismos e desinformação.

Nas voltas que o mundo dá, surgiu a pandemia, escolas foram fechadas, aulas suspensas — e quem veio para tentar salvar o restinho da labuta educacional que sobrou? O celular! Até campanha de doação de celulares fizeram. “Nada como um dia depois do outro”, falou um deles. E virou a esquina.

Renato Muniz B. Carvalho

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