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Coisas estranhas

Aí, do nada, o cara pendurou uma rede na garagem, abriu o portão para a rua, pegou uma latinha de cerveja

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 14/12/2019 às 09:37Atualizado em 18/12/2022 às 02:49
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Aí, do nada, o cara pendurou uma rede na garagem, abriu o portão para a rua, pegou uma latinha de cerveja e ligou o som na maior altura. Nada contra a rede, a cerveja e a garagem escancarada para o mundo. Achar que todos devem ouvir a sua música em alto volume é que é estranho. 

Aí, do nada, o rapaz abriu a janela do carro e na maior cara de pau atirou um copinho de plástico pra fora. Nada contra abrir a janela do carro, respirar ar fresco, sentir a brisa no rosto e beber água ou qualquer outro líquido. Mas atirar copinhos, bitucas, papéis, cascas de frutas, lixo etc. pela janela é bastante estranho.

Aí, do nada, o obtuso cidadão implicou com as folhas caídas das árvores que faziam sombra na calçada. Achou que era injusto ter de aguentar a “sujeira”, estava com preguiça de varrer e de pensar numa solução para o caso. Considerou um despropósito ter de se preocupar com esse tipo de coisa na porta de sua casa e contratou um fulano para cortar as árvores. Nada contra as pessoas terem suas opções paisagísticas, sua preguiça, sua própria visão sobre urbanismo, cidadania e meio ambiente. Achar que essas coisas se resolvem cortando árvores é que é estranho.

Aí, do nada, a turma liberou uma exorbitância de venenos para uso na agricultura. Alguns acharam certo comercializar sem a mínima preocupação com a saúde das pessoas. Outros resolveram usar de qualquer jeito, contaminando frutas, verduras, legumes, matando insetos, inclusive abelhas, poluindo o solo, rios, minas d’água e comprometendo o ambiente. Desavisados invocaram argumentos falaciosos para confirmar suas posições individuais, consideraram normal decidir pelos demais e argumentaram que, em nome da sua visão de “progresso da nação”, não haveria consequências, nada que prejudicasse nem comprometesse a existência de todos. Nada contra cada um se envenenar como quiser, mas é estranho que muitos considerem irrelevantes essas questões.

Aí, do nada, surgem uns indivíduos que se metem na sua vida, acham-se no direito de te obrigar a pensar e agir como eles, censuram suas músicas preferidas, inviabilizam os filmes que você quer assistir, mutilam os livros que te fazem refletir sobre o mundo, sobre os relacionamentos humanos, sobre o futuro… 

Não! Essas pessoas não surgiram do nada e elas não têm o direito de fazer o que fazem. São pessoas que não respeitam a diversidade da vida, não sabem conviver em comunidade, não sabem dialogar nem estão interessadas em construir algo melhor. Não aceitam a dinâmica plural das coisas e querem impor seu jeito particular de ver a realidade, desconsiderando a vontade dos demais. O fato é que estão nas esquinas, nas garagens, nas ruas, nos espaços públicos e privados. Não se trata apenas de ignorância, é uma visão grotesca de mundo, é um projeto estranho e excludente para o futuro. E aí?

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