ARTICULISTAS

Conhecer a cidade

Durante dez anos, morei fora da cidade onde nasci. Fui estudar, fui em busca de aprendizado e de experiência de vida

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 19/10/2019 às 10:08Atualizado em 18/12/2022 às 01:12
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Durante dez anos, morei fora da cidade onde nasci. Fui estudar, fui em busca de aprendizado e de experiência de vida, como se dizia na época. Estudei, trabalhei, casei e voltei para a minha cidade natal. Sair da barra da saia da família — esta também era uma expressão comum na época — foi necessário, embora não tenha sido fácil. Deixar a casa dos pais é uma espécie de desmame; para alguns é um trauma – a gente comete erros, mas aprende muito. Adolescentes deveriam sair de casa num determinado momento da vida, embora não tenha de ser uma regra. Sempre haverá quem não queira ir, não queira bater asas, mas, se puderem… Não serão todas as famílias que terão condições de bancar a saída; além disso, muitos jovens começam a trabalhar bem cedo para ajudar a família e abandonam a escola. Conquistar a independência é uma boa atitude, é parte do processo da maturidade, de conquista da autonomia. 

Nas férias, eu vinha visitar a família. As férias eram longas, praticamente todo o mês de julho e de dezembro a fevereiro. Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, foi instituído o ano letivo de 200 dias. Quantidade que não significou, necessariamente, qualidade, mas os legisladores acharam que devia ser desse jeito. Menos tempo de férias, menor tempo para leituras, viagens, brincadeiras, namoros… Sim, isso é importante! Não foi este aumento dos dias que mudou o panorama da educação, a própria sociedade brasileira se transformou.

Quando eu vinha nas férias, meu pai me buscava na rodoviária. Eu descia do ônibus e lá estava ele, sério, perguntava da mala, do casaco, se não tinha esquecido nada, e íamos até o carro. Ele fazia um caminho longo, conversava, queria saber dos estudos, dos amigos, das minhas atividades na capital. Era uma volta demorada e eu não podia reclamar nem pedir pra chegar logo. Era um ritual. 

Ele fazia questão de me mostrar a cidade, como se a cada intervalo entre as férias ela tivesse se transformado em outra cidade. Quais eram as mudanças? Abriram uma avenida nova, derrubaram um casarão antigo, construíram um prédio alto, lotearam um terreno… A cidade nunca parava, nascia alguém, morria um conhecido, um parente, um casamento, a política… Ele me punha a par, gostava de contar, de saber minha opinião. Era como se quisesse restabelecer uma ligação, dar um laço, um nó pra ver se me prendia à cidade, se eu me interessava por aquele pedaço de chão. Eu não aprendi a gostar do chão — ideia estranha —, mas das pessoas, da cultura, da comida, dos ritmos e da alma. Essa era a cidade que me interessava e que ele, talvez sem saber, me mostrava. Foi assim que aprendi a perceber o movimento, o desenvolvimento, a dinâmica socioambiental, a vida que existe nas cidades.

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