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As árvores e nós

Outro dia, quando voltava de um compromisso, debaixo de sol quente, cansado e pensativo

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 25/05/2019 às 10:24Atualizado em 17/12/2022 às 21:07
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Outro dia, quando voltava de um compromisso, debaixo de sol quente, cansado e pensativo, percebi que precisava com urgência de uma boa sombra. Atravessei ruas, procurei nas esquinas, investiguei becos, mas as sombras eram raras. Não estivesse com pressa e com fome, teria parado para descansar, talvez sentasse debaixo de uma das poucas árvores do caminho e, confesso, pensei inclusive em subir numa delas e observar tudo lá de cima. 

Não subi, mas fiquei com vontade! Lembranças da infância: usava técnicas especiais para não cair, para atingir com segurança o ponto mais alto, chegar às grimpas. Não subi, fiquei constrangid imagine um cara velho e desajeitado tentando trepar numa árvore em pleno centro comercial da cidade! Piada, endoidou, perdeu o juízo, diriam os passantes apressados. Acredito que os comerciantes chamariam os guardas municipais para me repreenderem. Vexame! A manchete do jornal seria: “Velho maluco é preso por tentar subir em árvore”. A chamada secundária poderia ser: “Pagou multa e prometeu se comportar”. Que mal há em subir numa árvore? Não seria roubo nem atentado ao pudor, talvez mau exemplo. E se outros doidos resolvessem fazer o mesmo? Teríamos uma epidemia: respeitáveis cidadãos escalando árvores em busca de sossego e sombra em inúteis tentativas de matar saudades da infância.

Não, melhor deixar de lado essa loucura. Nada a ver com quedas, sustos ou galhos quebrados, meu medo é o setor de Posturas sair pela cidade cortando árvores com a justificativa de que assim estariam preservando a vida dos fanáticos e evitando interrupções na rotina urbana, sempre tão previsível e ordenada. Questionados pela imprensa, o pessoal da secretaria de meio ambiente argumentaria que o custo de retirar os ousados alpinistas arbóreos das alturas, antes que causassem acidentes esborrachando-se nas calçadas, em cima de pedestres e de automóveis, seria maior do que o corte das atraentes espécies vegetais. Pobres árvores!

E se alguém resolvesse propor o cercamento dos troncos? Com grades altas pra ninguém chegar perto, muito menos tentar escaladas olímpicas. Os cachorrinhos seriam os grandes perdedores, pois ficariam sem poder fazer xixi. Melhor deixar quieto e não dar motivo para desastradas intervenções urbanas nem estimular discussões polêmicas. É triste quando cortam árvores sob a acusação de que deixam cair folhas, frutos e velhos saudosistas nas ruas! Elas são importantes na aridez das cidades, sua sombra compensa! Além disso, atraem passarinhos, pedestres cansados e crianças. Será que as pessoas sabem que os frutos que tanto apreciam não nascem embalados, plastificados e processados? 

Pensando bem, árvores são perigosas! E se uma maçã, uma jaca ou um alpinista cair na cabeça de alguém? O fulano atingido pode sair por aí gritando que descobriu a Lei da Gravidade ou que a Terra é redonda e o abalo para a ciência será enorme. Melhor não conversar com ninguém sobre essa ideia maluca. Será que o sol esquentou minha cabeça?

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