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Bengala branca

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 09/09/2020 às 01:46Atualizado em 18/12/2022 às 09:18
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Saramago diz através do Doutor, no seu Ensaio Sobre a Cegueira. "Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que vendo, não veem." De modo mais lúdico Saint-Exupéry já adiantava no Pequeno Príncipe que "o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração". De fato, podemos ter os olhos abertos e ver a silhueta de tudo sem efetivamente enxergar. Perceber as cores, ver toda beleza natural, borboletas, pássaros, flores, luzes. Pode-se até constatar a tristeza intangível pelos protocolos fúnebres, enfim, ver centenas e milhares de coisas, mas mesmo assim estar cego, sem propriamente ter se cegado. Então estará mais na escuridão que aquele que com os olhos não vê. Recusamos enxergar a verdade que nos tira da zona de conforto. Tão desatentos, sempre somos surpreendidos por fatos que estavam se avisando a um centímetro de nós. Há vezes que a vida grita, implora, sacode, mas a cegueira da indiferença pessoal é tão forte que nem com o alarde de advertência não se abre os olhos para a visão de si ou de seu próximo ao redor. A vida é uma teia bem traçada pelas leis do universo divino. Passar por ela às cegas é não atravessar, é estagnar. E isso parece mesmo epidemia como da metáfora de Saramago. A sociedade anda cega para se perceber e se reconstruir em valores. Tudo muito à superfície. A missão não é fácil. Certo é que os de boa vontade seguem por aí tateando, procurando ver dentro de si, de seus pares, de seu irmão. Por outro lado, o planeta avisa que sobrevive bem sem os homens. Contudo, essa exposição é socialmente ignorada. Individualmente, os mais humildes andam porque aceitam se ver revelados pelos defeitos. Com efeito. É importante fazer aferição interior e abrir o baú do coração para prosseguir de onde parou, apoiado no amor. Afinal, fomos feitos para o amor, coletivo ou pessoal, para exercer o bem em todos os sentidos, sob pena de negação da natureza da criação do ser, e da possibilidade da felicidade. Para sair daí, modestamente, agarre-se no amor, tome seu sentido como sua bengala branca e prossiga percebendo-se, até que possa um dia caminhar sem ela. Mas esteja seguro, assim estará sempre prosperando.

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