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Viola e violão

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 07/03/2020 às 08:25Atualizado em 18/12/2022 às 04:45
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Na tradição musical do caipira entoa-se a melodia da tristeza do jeca sofrido do interior do sertão, lá distante, sentimental e pensativo. Cantam-se o amor, a honra, com rimas singelas da mais pura poesia e, mesmo assim, emana-se a complexa comoção de seu coração. A música caipira repercute sempre com a maravilhosa viola ou acompanhada por um alegre ou imponente soar de violão. Assim, traz à tona toda a reserva moral resguardada no âmago do sertanejo do grande sertão. As letras musicais se revelam com muita reverência ao pudor, à intimidade pessoal do seu compositor, representando uma gente singela, mas nobre em seu sentir e honrosa de seu suor. Há um certo tempo a música caipira ganhou um nome mais amplo.

Sertaneja. Abraça então todo o universo do campo e do interior e se estende a liras mais alegres, cantando não só a dor, mas também passagens de glória, a amizade, ou conquistas do amor. A música caipira e a canção sertaneja convivem muito bem, realçadas sempre ao toque da viola ou do violão, sagrados instrumentos desses trovadores. Mas a comercialização implacável veio e usurpou o título do sertão para qualquer dois que cantem juntos, mesmo sem viola ou violão, mesmo sem respeito aos princípios e ao povo do sertão, tão sério, tão laborioso, tão família, tão profundo em seu sentimento e emoção. Ao contrário, com nome genérico de dupla, emergiram em gritos de falas vulgares, colocando em voga o despudor casual, elevando tudo ao sentido sexual, sem amor, sem nada sentimental. Não sei como aqueles que deram origem e evolução ao caipira sertanejo podem tolerar esse abuso, essa violência ao seu tema original, pelo uso vulgar do título de Sertanejo, de tão sagrada criação. Que inventem outro nome, outra classificação, mas Sertanejo não, é ilegítimo. Ocorre tal como no carnaval, que era puro samba, que era festa, que era crítica, sátira, que era da alegria e que virou orgia, sobrando pouco de sua verdadeira geração, da sua original versão. Ao povo do sertão que em poesia, em melodia, em pura composição, a todos nós traz tanta reflexão, desejo que, em franca reação, resgate logo sua tradição, exigindo clara distinção. E que sua música novamente se faça limpa, forte e em destaque com o encanto da viola e da voz com o violão. 

Ricardo Cavalcante Motta

 

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