Deparou o avô com o neto já adulto deslumbrado ao entrar em seu quarto de guardados. Havia ali vários cartazes e condecorações do tempo que foi craque de futebol nos maiores times do país. Troféus de artilharia, de melhor jogador, faixas e medalhas de campeão. O neto sabia que fora jogador profissional, mas não tinha noção da exata dimensão. Então ponderou ao avô do motivo de guardar escondida tanta lembrança. O avô respondeu. Já estou na casa dos noventa anos. Tudo passa. Minha estrela brilhou e passou. Não sabem quem sou senão por provocação de minha parte, o que não me empolga fazer. Os ícones hoje são outros. Nem reconhecido sou. Meus contemporâneos já se foram. Aprendi. Eu não sou ninguém, estou convencido. Ainda que seja eventualmente importante, ou valorizado por necessário a alguém mais próximo, para o entorno não sou ninguém. Certeza. E essa convicção me dá paz. Nesse mundo se alguém de fato por sua genialidade se manteve em luz mais tempo, isso se deu por algum período, mas eterno, como se cobiça ser importante, nunca haverá. Após a morte então, para esse mundo, seguro, em pouco tempo nada serei. Tenho essa serena consciência em meu ego. Sobrevivem ao tempo extraordinários como Jesus, Van Gogh... este que só foi depois que se foi, ou algum outro gênio de verdade, de fato celestialmente iluminado. Mesmo assim, seus pares do passado remoto também já deixaram de ser. Individualmente ninguém eternamente será, até porque o eterno não existe pessoalmente para a história. Afinal, humanidade tem existência ampla no tempo. Impassível, indiferente, o universo precede a humanidade e sucederá solenemente. Então entenda, aprenda a grandeza de saber que nada é além de um átomo, parte do grande ser, que depende do amor para como um todo existir. É muito cara a vaidade de querer para sempre ser lembrado. Sozinhos, somos ninguém.
(*) Juiz de Direito