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Conselho

Nunca fui bem amada, mas nunca tive coragem de sair. Assim levei minha vida de casada até o fim

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 28/06/2019 às 21:37Atualizado em 17/12/2022 às 22:01
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Nunca fui bem amada, mas nunca tive coragem de sair. Assim levei minha vida de casada até o fim. Invejei as que chegavam ardentes e contentes perto de mim. Mas fiquei firme, aguentei, carreguei o fardo até o desfecho natural. No entanto, fui criada assim, para servir, para ser enquadrada, ser calada, para não mexer as coisas dentro de mim. Deste modo fui conduzindo a vida, cozida, bem cozida para ficar mais fácil de engolir. Pensava, muito não se podia de mim exigir. E em tudo acabei fazendo assim, afinal perdi a graça nessa gaiola em que me meti. Mas, nesse universo, o que doeu mesmo foi a falta de amor, daquele de verdade, de pulsação, de mulher, do amor que abafei dentro de mim. E permaneci por fraqueza, falta de coragem, morbidez, porque, embora a porta estivesse fechada, trancada não estava, e eu sabia. Sucumbi. A passagem não precisava sequer ser arrombada, mas mesmo que precisasse deveria ter ousado. Contudo, filha minha, por comodismo não reagi, fiquei inerte, cedi e fui levando a vida dessa forma, sem doce, sem sal, sem gosto, sem tempero, como soro caseiro. Sobrevivi sem viver, se é que isso pode ser. Portanto, filha, é o conselho que dou, viva sua vida, quente ou fria, mas viva de fato, viva mesmo, para ter ou não ter do que se arrepender. Não é à toa que dizem, "melhor se arrepender do que fez que se arrepender do que não fez", neste caso, tal como eu.  Arrependo de ter traído eu mesma. É esse o meu conselho agora, já ao crepúsculo do viver.

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