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O luto em tempos de covid-19

Vera Lúcia Dias
Publicado em 21/07/2020 às 13:24Atualizado em 18/12/2022 às 08:00
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Muito se tem dito em tempos de pandemia pelo covid-19 sobre os cuidados físicos que devemos realizar para sua prevenção, sobre como devemos ocupar nosso tempo de maneira saudável e nada ou muito pouco se tem falado em relação aos que perdem entes queridos a não ser, às vezes, em tom sensacionalista de alguma matéria quase que exploratória da dor alheia.

Luto é luto e nunca foi fácil em qualquer tempo ou situação, mas nos tempos atuais alguns fatores o tornam mais complicado pela culpa por não poder ter estado presente nos momentos finais, pelas urnas lacradas que impedem o último olhar ou carinho, pelos velórios reduzidos em número de pessoas e encurtados em termos de tempo, pela impossibilidade dos encontros nas missas de 7º. ou 30º. dia, rituais que, em tempos comuns, possibilitam demonstrar nosso apreço com um abraço afetuoso e, o que é ainda pior, visitas póstumas não podem ser realizadas.

É bem verdade que estamos todos de luto se pensarmos que nos sentimos confusos, inseguros, sem o direito de ir e vir, alguns projetos que foram adiados ou se perderam para sempre, negócios faliram, empregos estão desestabilizados e, junto com isso tudo, lá se foi a sensação de que éramos donos do nosso destino, mas bem mais pior, ou ainda junto com tudo isso, alguns perderam familiares e amigos.

A pergunta que não quer calar é: Como ajudar aqueles que perderam ou estão perdendo alguém nesse momento caótico, mesmo que não seja pelo Covid-19, mas que estão sujeitos aos mesmos decretos e protocolos definidos para esse caso?

Podemos pensar aqui em dois tipos de ajuda, a primeira leiga e a segunda profissional. Todos nós podemos ser solidários e acolhedores, sem nos sentirmos obrigados a fazer a mágica de retirar a dor do outro. Muito pelo contrário, nossa verdadeira ajuda está em compreendê-la sem dizer para a pessoa enlutada que ela tem que ser forte. Isso a faz sentir-se inadequada no momento em que ela tem todo o direito de viver sua dor para poder seguir em frente.

Podemos nos fazer presentes de diferentes maneiras como uso de mensagens, vídeos, telefonemas, e-mails, enviando um mimo, um vaso de flor, uma comidinha, um lanche, uma fruta e isso se torna muito fácil quando está havendo delivery para tudo. Estas pequenas atenções fazem a pessoa se sentir querida e lembrada.

Em termos profissionais, além de se continuar oferecendo apoio psicológico nos consultórios particulares por meio das psicoterapias comuns ou das específicas para o luto, encontram-se disponíveis diversos atendimentos voluntários online, estamos todos atentos às demandas criadas pelo isolamento social e as possibilidades tecnológicas disponíveis.

Do ponto de encontro destas duas realidades, estão pipocando pelo Brasil afora a realização de rituais fúnebres, presenciais nos velórios encurtados ou cerimônias póstumas virtuais dirigidas a familiares, amigos e colegas de trabalho, agremiações etc.

Em nossa experiência, as experiências virtuais que já conduzimos, demonstram ser muito eficazes porque permitem aos participantes compartilharem suas memórias afetivas em relação à pessoa falecida, expressarem seus sentimentos e gratidão em relação à mesma, darem o seu adeus final e homenagear e honrar sua vida de forma coletiva.

E como sempre costumamos dizer, não queremos que coisas ruins aconteçam, mas poder apontar caminhos ou oferecer algo de novo num momento de tanta instabilidade, nos traz a sensação de estarmos cumprindo a nossa missão de contribuir para amenizar o sofrimento daqueles que estão tentando se reorganizar emocionalmente e retomar a segurança possível para continuar sua vida após uma perda significativa.

Terapeuta do Luto e Presidente do Instituo Renovare/Cemae - Centro de Estudos Sobre a Morte e Apoio a Enlutado

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