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De coração, a um médico inesquecível

Certo dia, li uma crônica escrita pelo médico Paulo Frange (turma de 75 da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, hoje UFTM...

Vânia Maria Resende
Publicado em 09/07/2018 às 07:57Atualizado em 17/12/2022 às 11:19
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Certo dia, li uma crônica escrita pelo médico Paulo Frange (turma de 75 da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, hoje UFTM, que fez residência em São Paulo, onde trabalha desde 78). Ele conversa com Lineu Miziara após a morte do seu ex-professor. Com interesse, me envolvi nessa conversa; entre outros motivos, pelo fato de eu ser educadora e pelo fascínio das palavras, com o seu poder de imortalizarem pessoas que amamos e admiramos e o que vivemos e aprendemos com elas. O texto reverencia com emoção o mestre que defendeu o sentido humanizado do trabalho médico, aliando aprendizado científico, ética e amor. Esse sentido encontrou eco em sensibilidades como a do ex-aluno, Dr. Paulo, que o tem como interlocutor no texto e na profissão.

Como Paulo Frange, também tenho saudade de alguns educadores e educadoras, excepcionais não apenas pela maestria didático-acadêmica. Seu modo de ser contraria convenções e códigos impessoais. Dotados de empatia, não preenchem protocolos artificiais. Guiados por um senso que não é de racionalidade fria, não têm aspirações puramente pragmáticas. Eles seguem conosco; são referência de definições e escolhas; reaparecem em nossa personalidade em filigranas, em diálogo sutil com nossos sonhos, dúvidas, angústias, crenças, ações. Nosso entendimento com eles é profundo, pois encontram ressonância em nós como sujeitos. Às vezes seu caráter sincero e sonhador lhes dá ares quixotescos. Desviados de padrões dominantes, do lugar comum, são resposta afirmativa a esta pergunta de Rubem Alves: “no mundo civilizado, das organizações, será possível ter reverência pelo próximo?” (obra O médico, em artigo sobre o médico Nobel da Paz de 1952, Albert Schweitzer, que foi coerente defensor da vida, não só humana).

A afinidade e a admiração que nos conectam a pessoas e profissionais de bondade acima do padrão nos ajudam a não recuarmos em momentos difíceis e desafiadores. O sentido de honra com relação a eles nos faz não cedermos e nos fortalece a coragem. Ao não abrirmos mão de legados essenciais, avulta a importância do que e de quem servem de espelho àquilo que buscamos ser.

Decorreu-se um tempo da leitura que fiz da conversa que revela a ligação entre os dois cardiologistas uberabenses. Em janeiro de 2018, tive oportunidade de testemunhar a atuação do Dr. Paulo Frange como médico, por ocasião da cirurgia da minha irmã Vera, quando ele demonstrou cuidado, respeito, interesse, disponibilidade a ela e aos seus familiares. Essa circunstância me fez vê-lo como exemplo do que ele ouvira do professor Lineu nas suas aulas: o paciente deveria sentir que “o médico é seu amigo, que o médico é honesto, que o médico se mostra preocupado em resolver seus problemas, e que faria tudo que estivesse ao seu alcance para resolvê-los” (http://www.paulofrange.com.br). Nessa condição, Dr. Paulo Frange intercedeu junto a colegas na área médica; esteve aberto a contatos pessoais e telefônicos a qualquer dia e hora; portou-se, em todos os momentos, como médico amigo. Segurou a mão, deu segurança e calor humano. Conciliou desempenho técnico e capacidade amorosa. Na relação médico-paciente, esteve sem medo, sem reservas formais, sem prepotência opressora que criassem distância, atitude que favorece a recuperação e a cura.

Dr. Paulo Frange vai deixando, para quem passa pelo seu caminho, pegadas sensíveis da sua notável qualidade profissional e humana. Virtudes como simplicidade, despojamento, generosidade, acolhimento fluem naturalmente do seu modo de ser raro, indissociado do médico (e do político, não por acaso vereador reeleito na capital paulista pela sexta vez, em 2016). Essa condição virtuosa o torna inesquecível – como se deu para mim e os meus, na nossa experiência familiar – na mesma medida que o Dr. Lineu se tornou inesquecível para ele. Pude entender que a razão da sintonia entre os dois médicos é o amor devotado, no compromisso pelas causas humanas, com tudo que amar o outro e respeitar a vida implicam de ônus e bônus.

Vânia Maria Resende é educadora, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

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