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A defesa do fundamentalismo

A fala do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU só surpreendeu aqueles que não acompanham as suas bravatas

Aristóteles Atheniense
Publicado em 30/09/2019 às 20:29Atualizado em 18/12/2022 às 00:42
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A fala do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU só surpreendeu aqueles que não acompanham as suas bravatas, fosse antes como depois de sua posse. Guarda, pois, flagrante coerência com a sua maneira de ser, que ele pretende conservar, esquecido de que se encontra hoje no cume de uma Nação que deve satisfações à opinião pública mundial. 

Somente saíram frustrados os que supunham que Bolsonaro proferisse uma oração conciliadora e fosse capaz de estender a mão aos que divergem de sua postura arrogante.

Falando aos jornalistas, quando já se encontrava no hotel, avaliou o seu pronunciamento, sustentand “Tínhamos que ser contundentes, mas não agressivos”. Mas não foi isso que o mundo viu e ouviu. Ao invés de mostrar que o seu governo estaria voltado para as grandes causas, optou pelo ataque sistemático à mídia internacional, reincidindo na crítica ao socialismo, além de renitir na sua obstinada censura às ditaduras de Cuba e Venezuela.

Na formulação desses conceitos desataviados, inspirou-se, certamente, em Steve Brannon, que já foi banido da Casa Branca por Donald Trump, bem como na linha de ação ortodoxa do futurólogo Olavo de Carvalho, responsável pela nomeação de alguns de seus ministros.

Destarte, deixando de lado um juízo moderado e construtivo, preferiu radicalizar as suas palavras, como se estivesse num comício eleitoral em campanha política, sem perder a oportunidade para tecer loas à ditadura militar de 1964. Esqueceu-se de reverenciar a memória do torturador coronel Carlos Alberto Ustra, que erigiu em símbolo da luta implantada naquela fase de triste memória...

Bolsonaro foi, no entanto, coerente entre o que sustentava ainda quando integrante do baixo clero na Câmara dos Deputados, com a ideologia que abraçou, defendida todas as manhãs junto a um grupo restrito de engrossadores, ao deixar o Palácio da Alvorada.

Caso houvesse de sua parte interesse em atrair investimentos para o Brasil, deveria centrar seu discurso em conquistas econômicas e sociais, a exemplo da reforma da Previdência, em curso no Senado, e em outros projetos que pudessem repercutir favoravelmente na Assembleia de que participava.

Insistiu em qualificar a nossa imprensa de mentirosa e partidária, sempre que essa emita considerações que não rimem com a autocracia que defende, sem rebuços, em contramão com as mais respeitáveis nações.

A depreciação que fez do cacique Raoni, qualificando-o de agente do colonialismo, contrapondo-o à desconhecida índia Ysani Kalapalo, serviu somente para valorizar o indígena de 89 anos, acrescentando que o seu monopólio, ou seja, o seu prestígio, não mais existe.

Como o presidente Jair Bolsonaro é jejuno em temas políticos e de interesse coletivo, não foi informado a tempo, por seus aduladores, quem é Raoni e qual o conceito que desfruta em outras nações cultas. Certamente, ainda não sabe que o cacique foi recebido pelos papas João Paulo II e Francisco, pelo rei espanhol Juan Carlos, além de ter se encontrado com os presidentes franceses Mitterrand e Jacques Chirac, convivendo com celebridades da música, como Sting e Bono.

Não lhe chegou ainda a notícia de que o líder indígena já teve o seu nome indicado pela Fundação Darcy Ribeiro e outras entidades ambientalistas para o Nobel da Paz de 2020.

Em razão de sua conduta trôpega e da pouca vivência com a cultura, é compreensível que Bolsonaro não tivesse noção do auditório a que falava. Este congregava 193 países, cujos representantes exprimem visões elevadas sobre os problemas que ultrapassam suas fronteiras, estimulando uma cooperação construtiva em relação aos males que afligem a humanidade.

Em sua locução, identificou-se ao seu idolatrado Donald Trump no combate ao globalismo e a ajuda aos povos menos favorecidos, temendo ser confundido com os propósitos de Barack Obama, que ambos consideram como socialista ou simpático ao comunismo, como se o muro de Berlim não houvesse ruído desde 1989.

Em sua apologia à intolerância, Bolsonaro aprofundou o isolamento diplomático do Brasil ao mesmo tempo em que afagava os Estados Unidos e Israel, incluindo em seu palavrório um versículo da Bíblia (João, 8:32), tomado do propósito de “restabelecer a verdade” por ter sido atacado por Emmanuel Macron e Angela Merkel.

Se ainda há interesse do Brasil de integrar o Conselho de Segurança da ONU como membro permanente, o que fora, também, pretendido por Lula, não será com esta parolagem, que indignou a maioria dos que o assistiam, num evento de tamanha repercussão, que o Brasil obterá o posto que deseja ocupar junto às nações civilizadas. 

(*) Advogado, conselheiro nato da OAB e diretor do IAB

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