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O futuro da Justiça do Trabalho

Na primeira semana do novo governo assistimos a muitas declarações polêmicas e desencontros de informações

Hugo Cesar Amaral
Publicado em 16/01/2019 às 21:01Atualizado em 17/12/2022 às 17:19
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Na primeira semana do novo governo assistimos a muitas declarações polêmicas e desencontros de informações perpetrados pelos novos comandantes da nação.

Uma destas declarações, proferida pelo presidente Jair Bolsonaro em entrevista dada no dia 03/01/2019, noticia que seria estudado um projeto que visaria a extinção da Justiça do Trabalho. 

O novo líder máximo do Executivo Federal fundamentou seu projeto no fato de ser a Justiça Trabalhista inexistente na maioria das nações do mundo, ao que agregou o comentário de que nos EUA ela inexiste e aquele país vivencia bons índices de emprego. Refutamos, de início, como fundamento para a extinção da Justiça do Trabalho a sua alegada inexistência na maioria dos países. Cada sociedade e cada ordenamento jurídico têm suas particularidades e necessidades, de modo que não soa racional adotar-se cegamente em nosso direito soluções bem sucedidas lá fora. Igualmente não soa razoável a comparação com os EUA, país de forte tradição liberal e de economia sólida. 

Outro aspecto digno de nota diz respeito à competência para a propositura de emenda constitucional com este propósito posto que caberia ao STF, e não ao Executivo, o poder de iniciativa do projeto, por ser a Justiça do Trabalho órgão afeto ao Poder Judiciário e feriria a independência de poderes conceber que o Executivo poderia deliberar sobre extinção de órgãos jurisdicionais. 

Feitas estas ponderações iniciais temos que a questão é de acendrada complexidade e há argumentos favoráveis tanto aos defensores desta instituição judiciária, quanto aos que admitam ser possível a sua extinção. 

Com efeito é inequívoco que a existência da Justiça do Trabalho assegura aos jurisdicionados que a ela recorrem uma prestação jurisdicional mais célere e indubitavelmente mais qualificada pois a especialização de um serviço jurisdicional invariavelmente assegura que as demandas serão geridas e conduzidas por servidores e magistrados detentores de aprofundado conhecimento sobre a matéria. 

Mas a questão que se nos coloca é se a Justiça do Trabalho seria, a médio ou longo prazo, necessária ou de existência justificável. 

Embora a reforma trabalhista veiculada pela Lei 13.467/2017 tenha apenas pouco mais de um ano de vigor o impacto de momento na redução das demandas afetas à Justiça do Trabalho é, em uma primeira análise, sensível. Segundo dados do TST divulgados em novembro de 2018, pouco antes de a lei mencionada completar um ano de vigor, houve uma redução de cerca de 36% nas novas ações trabalhistas de comparado o período de jan-set. de 2018 com o mesmo período de 2017. Em números concretos a redução foi de 2 milhões para algo próximo de 1,3 milhão de novas ações. Este quadro teria possibilitado a redução do estoque de demandas que estavam em primeira e em segunda instância aguardando julgamento, passando de um montante de 2,4 milhões em dezembro de 2017 para 1,9 milhão em agosto de 2.018. 

Ainda é cedo para se aferir se a tendência de redução de demandas se manterá, se estabilizará ou mesmo se poderá vivenciar um novo momento de aumento sistemático de novas ações, porém é fato que os números acima elencados tornam legítimos estudos e debates acerca do futuro da Justiça do Trabalho. 

Estima-se que em 2019 a Justiça do Trabalho vá consumir quase 21 bilhões de reais, o que equivale a quase cinco vezes os recursos que Uberlândia e Uberaba pretendem gastar neste ano. Este valor vultoso, cujo gasto justifica-se hoje face ao imenso acervo de feitos em trâmite nesta Justiça especializada poderia configurar um ônus excessivo em caso de redução sistemática das demandas. Imaginemos, por exemplo, os benefícios à prevenção à litigiosidade se parte deste valor fosse alocada para a hoje combalida fiscalização do trabalho. 

Se o direito material do trabalho se mostrar mais eficaz para regular as relações patrão-empregado, o que não deixa de ser uma busca constante de regimes economicamente liberais, como o que busca Bolsonaro, as demandas judiciais nesta seara tendem a diminuir sensivelmente, tornando o debate sobre a existência da Justiça do Trabalho necessário e relevante. É óbvio que a relação capital x trabalho terá sempre suas tensões de modo que litígios, em maior ou menor quantidade, ocorrerão devendo o Judiciário (por meio de uma Justiça especializada ou por meio da Justiça Comum Federal!), em atendimento ao princípio previsto no artigo 5º, inciso XXXV, dar abrigo às ações que ainda se originem na relação patrão-empregado. A questão que se põe é se de uma persistente redução da litigiosidade nas relações de trabalho não decorreria a desnecessidade de uma grandiosa Justiça especializada para este tipo de ação.  

Ressalte-se, em tempo, que os direitos básicos do trabalhador tem status de direitos fundamentais, estando protegidos de quaisquer inovações legislativas que venham a mitigá-los. A questão da extinção desta Justiça especializada, portanto, não implica necessariamente em tolhimento de direitos, pois seja qual for o órgão judiciário para o qual viesse a ser conferida a competência para julgar litígios decorrentes de relações de trabalho estaria o mesmo atrelado ao irrestrito respeito aos direitos laborais declarados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. 

O futuro da Justiça do Trabalho é tema a ser debatido com parcimônia e racionalidade, sem paixões, pois as instituições têm a sua existência justificada pelas necessidades de certo momento histórico. 

(*) Advogado

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