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Coisando

Mário Salvador
Publicado em 24/06/2020 às 07:21Atualizado em 18/12/2022 às 07:20
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A palavra “coisa”, com seus caprichos, é uma das mais usadas na língua. Apesar de ela não ser uma Brastemp; funciona como curinga – a carta que serve para substituir tantas outras. Isso acontece porque ela é polissêmica. (Tem mais de setenta significados, como mostram os bons dicionários). “Coisa” quer dizer... qualquer coisa.

Seu emprego é uma coisa louca: parece a coisa mais natural do mundo. Porém, mesmo sendo curinga, é tão genérica, que, às vezes não esclarece muita coisa: “Preciso lhe dizer uma coisa. Acabo de fazer uma coisa: pus uma coisa aí no armário”. E o verbo “coisar” pode suprir outro, quando, ao falar, esquecemos o verbo de que precisamos. Nesse caso, coise esse coiso mesmo. (Sim, “coiso” também existe.)

Aliás, para facilitar o entendimento, sendo possível, deve-se substituir “coisa” por outro substantivo mais restritivo. Numa lojinha, por exemplo, você é mais perfeitamente entendido e atendido, se disser que quer um “funil” em vez de “uma coisa de cozinha”.

Em “mineirês”, pode-se trocar “coisa” por “trem” sempre. “Justo agora que você está um trem com o seu filho, senti um trem na mão, e tem muito trem para organizar e muito trem para lavar na pia.” E ainda que, em Minas Gerais, “trem” e “coisa” sejam a mesma coisa, até o mineiro titubeia com o sentido de algumas frases. Exemplificando, anos atrás, ao noticiarem que caiu um “trem” no rio Uberaba, não sabíamos se era um “trem mesmo” (expressão mineira para esclarecer que se trata de um trem de ferro) ou outra coisa (como um carro ou um caminhão). E era um “trem mesmo”.

Dentre diversos significados, “coisa” pode ser tanto um objeto quanto um serviço. Assim, quando um cliente vai pagar por uma compra em uma farmácia ou por uma consulta médica, ele pode ouvir a mesma a pergunta: “Mais alguma coisa?”.

Embora a palavra “coisa” possa acabar com alguém (“Que coisa sinistra é esse moço!”), Vinicius e Jobim a usaram como elogio (“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”). E o substantivo “coisa” foi imortalizado por outras tantas veias poéticas... A banda do Chico passava “cantando coisas de amor”. E Caetano cantou: “Alguma coisa acontece no meu coração...” Que coisa danada é um poeta!

Quem não escreve “coisa com coisa” não consegue ser entendido coisíssima nenhuma. Mas tenho acreditado que esse não é o meu caso. Como agora vou preparar alguma coisinha para forrar o estômago, encerro por aqui... ou a coisa vai longe.

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