ARTICULISTAS

Sant’Ana Mestra

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 29/07/2021 às 18:08Atualizado em 19/12/2022 às 02:33
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          No dia 26 de julho foi comemorado o “Dia dos Avós”. Em todos os noticiários a data foi lembrada e associada a São Joaquim e Sant’Ana, avós do Menino Jesus. E foi justamente a menção a estes avós que me calou profundamente na alma. Imediatamente veio-me à lembrança a imagem clássica de Sant’Ana Mestra na arte sacra do período colonial. Em meados da década de 1980, estive em Ouro Preto, frequentando o primeiro curso de Especialização em Cultura e Arte Barroca, projeto idealizado e implantado pelo saudoso Moacir Laterza, professor e filósofo uberabense radicado em Belo Horizonte. Permaneci longos dias mergulhada no estudo do Barroco Mineiro e suas manifestações na arquitetura, escultura, pintura, literatura e nas artes aplicadas. Eu estava literalmente imersa nesse período riquíssimo da arte no Brasil, quando fui “apresentada” a Sant’Ana Mestra, uma simpática senhora sentada, quase uma catedrática, com sua atenção voltada para a Virgem Maria criança, em posição de quem ensina a menina Maria a ler as escrituras. A simplicidade da representação desse núcleo familiar, tão recorrente na arte barroca, me encantou. Que imagem poética! Eu nunca tinha imaginado que Nossa Senhora tivesse uma família como todos nós. A força expressiva dessa cena sagrada trouxe a Virgem para mais perto de mim, e esse encantamento nunca mais me abandonou.

         Em hebraico, Ana significa “graça” e Joaquim equivale a “Javé prepara”. Sant’Ana teria nascido em Belém e São Joaquim, na Galileia. Esses lugares assinalaram momentos muito importantes na vida de José, Maria e o Menino Jesus. Ana e Joaquim eram estéreis, mas levavam uma vida de fé e resignação aos desígnios de Deus. Segundo a tradição, Joaquim e Ana já eram de idade avançada quando receberam a graça do nascimento de Maria. Uma dádiva concedida em forma de um verdadeiro milagre. Mais tarde, a menina Maria foi levada pelos pais para o Templo, onde foi educada, permanecendo aí até ficar noiva de José. A devoção aos avós de Jesus remonta ao século VI.

         Sempre achei que os filhos só vão respeitar os pais se respeitarem os avós. Trago nas minhas melhores lembranças meus avós maternos e paternos. Pude desfrutar de muitos anos de convívio familiar com eles. Felício Frange e Rosa Bessim Frange, meus avós maternos, foram de fundamental importância na minha infância e adolescência. Meu avô, por sua filantropia, traço marcante de sua personalidade. Ele forneceu carne para as casas assistenciais de Uberaba em grande parte da sua vida. Minha avó Rosa era uma libanesa à moda antiga, inteiramente devotada ao marido, aos filhos e netos. Uma mulher dedicada ao lar.

         Meus avós paternos eram também pessoas muito especiais. Ele, João Adolfo, era um grande contador de “causos”. Ele gostava de fumar um cigarrinho de palha, que enrolava com o maior capricho enquanto desfiava suas histórias. Para o desespero de mamãe, porque ele picava o fumo de corda, esfregava entre as mãos e colocava na palha, e sempre caía um pouquinho. Vovô ficava muito preocupado por eu estar sempre às voltas com meus livros. Dizia para o meu pai: – “Dóche, não faz bem para a saúde dessa menina ficar lendo assim. Ela vai acabar ficando atrapalhada das ideias. Não tá certo, não, meu filho!”. Vovó Maria fora registrada com o nome de Maria Cândida da Purificação. Ri muito quando descobri, mas a maturidade me fez perceber o quanto esse nome lhe caía como uma luva. Vovó Maria ultrapassou o marco do seu centenário. Amava a vida, era alegre, risonha, gostava de ser mimada e de comemorar seu aniversário com a presença da enorme família e dos inúmeros amigos. Fazia colchas e tapetes de fuxico como ninguém! Era sua grande paixão! Certa vez, chegou a ganhar um certificado de excelência por um de seus trabalhos, que durante muito tempo exibiu com justo orgulho às visitas.

         Lembro-me de que Ziraldo, o admirável escritor mineiro de Caratinga, fazia uma participação num programa semanal da televisão, nos anos 80, do qual eu era telespectadora assídua. Eu gostava de suas opiniões a respeito da vida, sempre expressas com muita verve e estilo. Ziraldo tinha já os cabelos grisalhos e, certo dia, iniciou o programa declarando, com tristeza: “Hoje eu descobri que fiquei velho de repente. Eu dormi menino e amanheci idoso. Gente, eu perdi minha avó! Só agora eu percebi que era tão bom quando eu dizia para os meus amigos: – Agora tenho que ir. Vou para a casa da vovó. E eu me sentia tão criança! Agora, eu não tenho mais a casa da vovó. Adeus meninice! Estou arrasado! Encerrei uma etapa da minha vida! A melhor parte da minha vida foi embora junto com ela. Bença Vó!!!”. ************************************************************************************

Olga Maria Frange de Oliveira

Professora de piano, regente do Coral Artístico Uberabense, autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e ex-Diretora Geral da Fundação Cultural de Uberaba

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