ARTICULISTAS

D. Cora: uma vida dedicada à música

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 15/03/2021 às 22:04Atualizado em 18/12/2022 às 12:51
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Cora Pavan Capparelli nasceu em Uberlândia, em 26 de dezembro de 1925, filha única de Angelino Pavan e da modista Adélia de Oliveira Pavan. Ainda menina, Cora fez sua iniciação musical com a professora de piano D. Amanda Carneiro Teixeira, uma das pioneiras do ensino de piano em Uberlândia. Amanda era natural de Uberaba, mas, após o casamento, mudou-se para Uberlândia.

A jovem Cora era dotada de um temperamento firme que norteou todas as decisões que tomou ao longo da vida. Em 1942, aos dezessete anos, decidiu partir para São Paulo para fazer seus estudos superiores. Não foi nada fácil convencer seu pai a apoiá-la. Por ser menor de idade, precisava de uma autorização judicial paterna para estudar fora de sua cidade natal, o que ela acabou conseguindo com muito jeitinho.

Na capital paulista, cursou Geografia e História na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e, paralelamente, frequentou o Conservatório Dramático e Musical, onde diplomou-se como professora de Música e Canto. Terminou seus estudos em 1946 e retornou para Uberlândia, tornando-se uma das primeiras mulheres a ter diploma de curso superior na década de 1940, o que demonstra a sua índole batalhadora e ousada, qualidades que permearam todas as suas conquistas. Destemida, era capaz de enfrentar o mundo inteiro, se fosse preciso, para realizar seus projetos. Retornou de São Paulo com o firme propósito de fundar a primeira escola de música de Uberlândia. Apesar de ter este objetivo claramente delineado em seu íntimo, levou anos amadurecendo a ideia, pois não queria precipitar-se, teria que ser algo que se perpetuasse. Como uma autêntica capricorniana, dizia sempre: “É preciso demorar um tempo preparando o solo se quisermos que ele acolha a semente”.  

No momento propício, em 13 de julho de 1957, o Conservatório Musical de Uberlândia foi fundado com o apoio incondicional do Dr. Clóvis Salgado, ministro da Educação e Cultura; do deputado federal de Uberlândia, Rondon Pacheco, e do maestro Alberto Frateschi, diretor do Conservatório Musical de Uberaba. O maestro Frateschi tinha fundado o Conservatório Musical de Uberaba em 1949, que fora oficializado em 1954 pelo governo de Minas. D. Cora desejava ardentemente fundar a primeira escola de música de sua cidade natal, sonho que acalentava há alguns anos, e precisava contar com a experiência de Alberto Frateschi para concretizar o seu sonho. O maestro aceitou o convite para auxiliá-la no que fosse possível e colaborou para o sucesso da empreitada, tornando-se posteriormente o primeiro diretor do recém-inaugurado Conservatório.

Mas D. Cora sonhava mais alto e lutou pela criação do curso superior de Música, vinculado ao conservatório. Em 1969, o curso superior é transformado em Faculdade de Artes e, a partir de 1973, passou a integrar a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Dessa forma, D. Cora foi a precursora do Ensino Superior de Música e Artes Plásticas, cursos que deram origem à Faculdade de Artes da Universidade Federal de Uberlândia. Sem esquecer que o primeiro corpo docente da Faculdade, em seus primeiros anos, era de dar inveja às suas congêneres, incluindo nomes com Maestro Camargo Guarnieri (o mais premiado compositor brasileiro), Natan Schwartzmann (considerado o melhor violinista brasileiro à época), Sônia Muniz (pianista de renome e esposa do maestro Eleazar de Carvalho), Oswaldo Accursi, Glacy Antunes ( grande pianista goiana), Miguel Proença e outros que vieram depois e foram substituindo alguns destes monstros sagrados. “Milagres” de D. Cora, sempre buscando a excelência!

Conheci D. Cora Capparelli em 1972, quando ingressei na Faculdade de Artes de Uberlândia, onde integrei a segunda turma de estudantes da instituição. Nessa época, a Faculdade era vinculada ao Conservatório Musical e funcionava à rua Santos Dumont, quase na esquina com a Afonso Pena, bem no coração da cidade. Simpatizei com ela à primeira vista. Ela era uma senhora educada, de estatura mignon, que tinha sempre um sorriso cordial no trato com os alunos e professores. Além disso, estava permanentemente em movimento, tomando mil e uma providências. Percebia-se que o Conservatório era sua segunda casa. Após a minha formatura, em 1975, trabalhei durante 7 anos no Conservatório de Uberlândia a convite de D. Cora, diretora da instituição, onde aprofundamos nossos laços de amizade.

A aposentadoria não afastou D. Cora do setor artístico musical uberlandense, pois ela criou e participou da Fundação Pró-Música, entidade de caráter jurídico, que promoveu durante muitos anos inúmeros recitais-solo e concertos camerísticos, em Uberlândia e região, com participação de renomados artistas nacionais e internacionais.

D. Cora casou-se em 1950 com o médico gastroenterologista Vittorio Capparelli, com quem teve três filhos: Vittorio Amilcar, o médico Silvio Demetrio e a pianista Cristina Maria Capparelli Gerling, casada com o violinista Fredi Gerling, professores catedráticos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.

Em 11 de março de 2021, D. Cora faleceu, aos 96 anos, vítima da Covid-19. Que descanse em paz a mulher sábia que viveu uma longa vida dedicada inteiramente à música e deixou seu nome eternizado no cenário musical uberlandense pela valiosa herança legada aos seus conterrâneos.

Olga Maria Frange de Oliveira - Professora de piano, regente do Coral Artístico Uberabense, autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e ex-Diretora Geral da Fundação Cultural de Uberaba

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