ARTICULISTAS

A Fazenda São Jorge

Há muito tempo não escrevo, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. De repente, um simples telefonema

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 05/07/2019 às 19:17Atualizado em 17/12/2022 às 22:16
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Há muito tempo não escrevo, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. De repente, um simples telefonema de minha irmã anunciando a chegada de meus sobrinhos e suas famílias semeou o alvoroço em minha vida tão “comportada”. 

Segundo ela, eles virão passar uns poucos dias na Fazenda São Jorge, hoje de propriedade dos primos Dr. Cristiano Jorge Frange Miziara e sua esposa Maria Helena.

A fazenda, situada pertinho de Campo Florido, era dos meus saudosos tios Jorge Miguel Miziara e Dalva Frange Miziara. Nesta propriedade rural, meus irmãos e eu, assim como meus primos, passamos os dias mais felizes de nossa infância e adolescência. Dias inesquecíveis que fizeram as delícias da nossa juventude. Tínhamos mais ou menos a mesma idade e a mesma ingenuidade dos jovens da geração dos anos 60. Cristiano, Tininha, Lúcia, Dalvinha, Mirtinha, Bahia (eu), Juninho, Fauzinho, Luiz Fernando e Marcelo. Éramos crianças e tínhamos a vida inteira pela frente.

Tia Dalva era uma mãezona. Ela comandava a meninada, que se distraia com as mínimas coisas, pois tudo tinha um gostinho de novidade. A casa da fazenda era cheia de vida: alarido de vozes infantis, risadas, traquinagens, esperanças, causos, agrados dos tios, segredos, sonhos, frustrações e sobretudo... muita comilança. Que saudade do leite com farinha! Do mingau de milho verde! Da pamonha! Do pão com manteiga na chapa! Do leite tirado de manhãzinha com um pouquinho de conhaque! Do milho assado na chapa do fogão de lenha! Do arroz-doce! Das frutas colhidas no pé! Ah! Que saudade!

Na Fazenda São Jorge, com sua sede simples e acolhedora, a família tinha o costume de se reunir na varanda para conversar no final da tarde. Para todos nós a varanda era a tribuna que ensejava a exposição de ideias e o acolhimento sem reservas dos amigos e familiares. O local preferido para o dolce far niente. Era muito mais gostoso quando ficávamos à luz dos lampiões, antes da instalação da luz elétrica. A chama da lamparina desenhava sombras nas paredes e criava uma atmosfera propícia a dar asas à imaginação. Logo os grilos apareciam nas noites quentes e aconchegantes, completando um cenário mágico. O ambiente era bem-humorado, sadio e receptivo. Que encanto havia naquela fazenda!

O curral, bem próximo à sede, era um local que nos atraia como se tivesse um imã. Mal chegávamos e corríamos para ver os novos bezerrinhos, que mal se equilibravam em suas frágeis perninhas. Era uma festa para todos nós.

Às vezes cavalgávamos até a Serra do Pião. Aí acrescentávamos um pouco de aventura aos nossos dias campestres, pois nos passeios a cavalo havia sempre uma “maldadezinha” dos primos com as primas ingênuas.

Os empregados da fazenda eram de famílias radicadas na região há muitos anos, todos com algum grau de parentesco. Quando estávamos reunidos na varanda, ao entardecer, eles vinham se achegando de mansinho, como quem não quer causar incômodo. Tinham maneiras entre agrestes e afetuosas, com suas prosas cheirando a terra. Chego a ouvir o Eurípedes corrigindo o filho Miguel: “Prá vancês não, Miguéli, procêis! Eta minino custoso, sô Jorge!”. E o Miguelzinho com a blusa abotoada com as casas desencontradas, acanhadamente olhando para o chão. Uma cena que encantou meu coração e ficou congelada em minha imaginação.

Tio Jorge e tia Dalva foram muito presentes em nossas vidas. A Fazenda São Jorge se confunde com as ternas lembranças do meu irmão, Eudóxio Júnior. Durante toda a sua vida ele chegava de Santos, desembaraçava-se da bagagem e seguia com os primos para a fazenda, levando seu filho junto para acostumá-lo ao convívio com os priminhos uberabenses. Só voltava, a contragosto, na segunda-feira seguinte, depois de recuperar as energias na velha casa da fazenda.

Dois anos já se passaram desde o último adeus ao nosso Juninho e a família continua a se reunir no mês de seu aniversário, em julho, na sede da fazenda de Campo Florido. A memória retém a vida. Nada de verdade termina... Feliz aniversário, mano querido! Ah! De Santos chegarão seu filho Eduardo e sua nora Lílian; o primo Renato virá de Fernandópolis: o sobrinho paulista, Victor, estará presente com sua esposa Camila e o mascote Benício, e tantos outros... que serão recepcionados pelos anfitriões Cristiano e Maria Helena. 

(*) Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba

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