ARTICULISTAS

Uma Grande Missão

Acredito que cada um de nós nasce com uma missão a cumprir. Todas as etapas de nossa vida são fases

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 05/02/2019 às 19:47Atualizado em 17/12/2022 às 17:57
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Acredito que cada um de nós nasce com uma missão a cumprir. Todas as etapas de nossa vida são fases necessárias para sedimentar em nós os fundamentos necessários para executarmos o trabalho que nos espera mais adiante.

Desde criança fui apaixonada pela leitura. Vivia pegando livros na Biblioteca do Colégio Santa Marcelina de Belo Horizonte, onde estudava. Até que um dia fui barrada logo na entrada, onde me mostraram um cartaz com os seguintes dizeres: “Proibida a entrada da aluna Olga Maria Frange de Oliveira, do terceiro ano primário”. Sem entender o motivo da interdição, fui esclarecida de que o excesso de leitura estava “prejudicando” meus estudos. Aos poucos, pude voltar a retirar livros, mas apenas dois por mês.

Além dos livros, eu amava as aulas de História, que eram ministradas pela Irmã Diva, excepcional historiadora, mas péssima no relacionamento com crianças. Mantinha seu hábito impecavelmente bem cuidado e tinha um porte altivo e aristocrático, acentuado pelo andar com a coluna bem ereta. Era odiada por 99% da classe. Eu estava no 1% que a elegeu como nossa grande mestra. Chegava a imitar a letra dela, que era admirável em sua clareza e simetria. A letra “Q” era uma obra-prima de originalidade. Até melhorei a minha caligrafia, pois ter a letra parecida me fazia sentir certa proximidade com essa “Diva”.

Tudo ia bem até que um dia minha mãe encontrou-se com ela, casualmente, numa festa do Colégio e foi logo dizend

- Então a senhora, Irmã, é a professora de História da Olga Maria? Minha filha adora suas aulas. É a professora preferida dela!

Ao que ela logo retrucou: – Não vejo motivo para falsidades. Não é preciso bajular-me, pois sua filha é inteligente e tem boas notas. Sei que nenhuma das alunas tem simpatia por mim, e não me importo nem um pouco com isso. Passe bem, senhora!

Fiquei muito envergonhada e zanguei com minha mãe. Coitada, meu afeto era sincero, mas o problema de rejeição estava entranhado dentro dela por motivos desconhecidos. A verdade era que ela preferia ser temida a ser amada. Foi um balde de água fria, mas eu continuei a admirá-la pela sua inteligência e competência inegáveis.

Além dos livros e do conhecimento da História, como um todo, ou seja, História do Brasil e História Geral, a música foi o terceiro pilar que deu equilíbrio à minha vida. Comecei a estudar piano aos seis anos de idade com a Irmã Cecília, no Colégio Santa Marcelina. Uma senhora com cara de vovó, com seus cabelos brancos e uma doçura muito grande no trabalho de musicalização. Ela desenvolveu uma forma lúdica de ensinar os rudimentos da arte musical, como se fosse um lindo conto de fadas, com o castelo da Rainha Semibreve e suas duas filhinhas, as princesinhas Mínimas. Lá morava o Rei Donato...

Muito tempo depois, em plena maturidade, após anos dedicados ao magistério de diferentes conteúdos da área musical, atividade que desempenhei paralelamente à de pesquisadora de temas relacionados à música, descobri que nada do que vivi foi por acaso. Hoje eu sei que Deus me preparou desde sempre para a grande missão da minha vida: revelar aos uberabenses os tesouros do passado musical dos “Pioneiros da História da Música em Uberaba”. Nos dias atuais há uma visão distorcida que induz as novas gerações ao esquecimento, a prescindir dos signos da memória e da bagagem que os anos acumularam. Existe uma espécie de varredura do passado, como se pudéssemos ignorar os vínculos com os que nos precederam! No primeiro livro que pretendo lançar em breve, fruto de intensas pesquisas, selecionei dezenove músicos que participaram de uma verdadeira epopeia, iniciada a partir de meados da segunda década do século XIX. É preciso mostrar aos músicos que hoje militam no cenário musical uberabense que eles são elos de uma corrente iniciada em 1815. Uberaba é uma cidade singular, pois nasceu ao mesmo tempo que a sua primeira corporação musical: a “Banda dos Bernardes”. Mas isso é outra história... 

(*) Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba

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