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Problemas de visão reduzem produtividade

Leoncio Queiroz Neto
Publicado em 18/06/2022 às 20:18Atualizado em 18/12/2022 às 22:15
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Pesquisa publicada no The Lancet mostra que a deficiência visual causa perda de US$ 410,7 bilhões na produtividade mundial. 

O aumento da deficiência visual foi agravado no mundo todo durante a pandemia de Covid, com o abandono de todo tipo de tratamento. Estudo publicado no The Lancet por um comitê de 74 pesquisadores de 25 países alerta para a perda de US$ 410,7 bilhões na produtividade mundial decorrentes da deficiência visual. 

De acordo com o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, os olhos interferem em toda nossa saúde. “São eles que controlam a quantidade de luz que chega à glândula pineal, onde são produzidos os hormônios que equilibram nosso metabolismo. Também permitem 85% de nossa interação com o meio ambiente”, afirma. Por isso, salienta, a visão frequentemente é associada nas pesquisas à cognição, bem-estar emocional, psíquico e longevidade. 

Para ele, o alto prejuízo causado pela deficiência visual está relacionado ao tamanho da população global com grande dificuldade de enxergar e sem nenhuma correção. Isso porque o último relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre saúde ocular aponta que 1,1 bilhão das deficiências visuais está relacionado à falta de óculos para corrigir erros de refração e presbiopia, ou vista cansada, que dificulta a visão de perto após os 40 anos. Uma ação social promovida antes da pandemia pela ONG internacional, OneSight, em parceria com o hospital e a prefeitura municipal de Campinas, para distribuir 3 mil óculos a adultos, revela que 18% dos participantes engavetaram a receita de óculos prescrita em consultas realizadas pelo SUS por falta de dinheiro. 

Cuidados na primeira infância. O médico ressalta que todos nós vamos ter alguma doença ocular no decorrer da vida. Isso explica porque logo após o parto é indicado ao recém-nascido passar pelo teste do olhinho ou exame do reflexo vermelho para detectar doenças congênitas que respondem pela maior parte das perdas de visão na infância – retinopatia da prematuridade, catarata, glaucoma e câncer ou retinoblastoma que, embora raro, recentemente comoveu o Brasil com o caso de Luana, filha dos jornalistas Thiago Leifert e Daiana. “Importante alertar, que em muitos bebês os olhos não dão sinais de alteração logo após o nascimento. Luana é uma prova disso”, comenta. Por isso, é comum crianças que passaram pelo teste do olhinho na maternidade chegarem ao hospital com doença congênita nos olhos que não foi diagnosticada. Para evitar complicações que podem levar à perda irreparável da visão, a recomendação do médico é repetir o exame a cada 3 meses até a idade de 3 anos, quando deve ser realizado o  primeiro exame oftalmológico. 

Na infância. Queiroz Neto afirma, que os problemas de visão mais frequentes em crianças são os erros de refração – miopia, hipermetropia e astigmatismo. A dificuldade de enxergar entre crianças é uma importante causa de desatenção na sala de aula e da queda no rendimento escolar. Isso ficou comprovado por uma pesquisa realizada junto aos pais e professores de 36 mil crianças das escolas municipais que receberam consulta oftalmológica e óculos em uma ação social que coordenei no Instituto Penido Burnier. A pesquisa mostra que, após um ano de uso dos óculos, na opinião dos professores 50% dos estudantes tiveram melhora no rendimento escolar. Para os pais, 88% das crianças passaram a ter mais concentração e interesse pelo estudo. 

Miopia. O oftalmologista ressalta, que de todos os erros de refração a miopia ou dificuldade de enxergar à distância, é o que mais cresce, especialmente na infância. Uma evidência disso é o resultado de um levantamento do CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologia) com 295 oftalmologistas. Para 70% deles a miopia infantil aumentou durante a pandemia. Uma das causas foi o excesso de celular e computador, que causa um espasmo nos músculos ciliares. Isso ficou comprovado em um estudo que realizei com 360 crianças com idades entre 9 e 12 anos, que ficavam até 6 horas/dia conectadas e apresentaram o dobro de miopia. Outra causa é a falta de exposição ao sol durante o confinamento. Isso porque, estudos mostram que a radiação ultravioleta do sol estimula a produção de dopamina, hormônio do bem-estar que controla o crescimento axial do olho, maior nos míopes. A previsão da OMS é de que o estilo de vida atual eleve os atuais 2,6 bilhões de casos de miopia no mundo para 5 bilhões em 2050. Destes, a estimativa é de que a miopia acima de 6 graus vai atingir  1 bilhão e por isso aumentar o risco para esta parcela  de descolamento de retina, catarata, glaucoma e degeneração macular, importantes causas de cegueira relacionadas à alta miopia.

A boa notícia é que hoje já estão disponíveis 3 tipos diferentes de tratamento para controlar a miopia em crianças. Uma delas é uma lente de contato gelatinosa e de descarte diário que diminui em até 50% o crescimento axial do olho, através de dois arcos concêntricos na periferia.

O especialista ressalta que, recentemente, chegou ao Brasil uma lente para óculos que reduz em até 65% a progressão da miopia se for usada por 12 horas conforme ficou demonstrado em dois ensaios clínicos.  Possui uma tecnologia que permite à criança enxergar com mais nitidez e reduz em 65% o crescimento axial do olho. Uma terceira alternativa de controle da miopia apontada pelo médico é a lente ortoceratológica. Rígida e de uso noturno, elimina a miopia durante o sono fazendo uma pressão sobre a córnea que remodela seu formato. Durante o dia a criança fica livre dos óculos e lentes. 

Glaucoma. Queiroz Neto afirma, que no final do mês de maio (26), foi comemorado o Dia Nacional do Glaucoma, que visa conscientizar a população dos riscos da doença. Maior causa de cegueira irreversível no mundo, geralmente surge após os 40 anos, mas a falta de sintomas faz metade nem desconfiar da doença. O oftalmologista afirma que formam grupos de risco pessoas da raça negra, orientais e quem tem casos na família, grupo com 7 a 8 vezes mais chance de ter a doença

Queiroz Neto explica que o glaucoma lentamente vai degenerando as células do nervo óptico, que transmite as imagens ao cérebro. Nove em cada 19 portadores têm glaucoma de ângulo aberto e fazem tratamento com colírios para baixar a pressão intraocular, mas muitos abandonam o tratamento. Em algumas pessoas a cirurgia de catarata pode regular a pressão interna do olho. Recentemente, o FDA (Food em Drug Administration) aprovou nos EUA, um dispositivo biodegradável que é implantado no olho para entregar a medicação sem risco de contaminação do colírio e menos irritação na superfície do olho, mas ainda não há previsão de quando vai estar disponível no Brasil. 

Catarata. Maior causa de cegueira tratável no mundo, a catarata responde por 49% dos casos de perda da visão no Brasil. Queiroz Neto afirma que, geralmente, surge a partir dos 60 anos em decorrência do envelhecimento, que leva à perda de transparência do cristalino, lente do olho responsável pela mudança automática de foco para as várias distâncias. Outras causas frequentes da catarata sã uso contínuo de corticoide, fumar, abusar do sal, não proteger os olhos no sol com lentes que filtrem a radiação ultravioleta, sofrer um ferimento no olho, ter alta miopia ou diabetes. 

O único tratamento para catarata é a cirurgia, que substitui o cristalino opaco pelo implante de uma lente transparente. O problema é que um levantamento realizado por Queiroz Neto no DATASUS, mostra que no primeiro ano da pandemia o número de cirurgias caiu 47% e em 2021 ainda ficou 18% abaixo de 2019. Significa que a falta de tratamento reduziu a qualidade de vida de muitas famílias. Isso porque o estudo publicado no The Lancet mostra que após a cirurgia de catarata o consumo familiar aumentou 80% pela reinclusão ao mercado de trabalho. 

A OMS estima que 11,9 milhões pessoas em todo o mundo têm deficiência visual moderada ou grave, além da cegueira causada pelo glaucoma, retinopatia diabética e tracoma, que poderiam ter sido evitadas. O custo estimado para prevenir todos estes problemas de visão é de US$ 5,8 bilhões ante US$ 14,3 bilhões adicionais pela falta de prevenção. Por isso, a falta de prioridade da  saúde ocular nas políticas públicas da saúde tem reflexos negativos na Economia.

Leôncio Queiroz Neto

Instituto Penido Burnier de Campinas

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