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Cio da terra

Arahilda Gomes Alves
Publicado em 23/02/2022 às 21:09Atualizado em 18/12/2022 às 18:15
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Tomo emprestado o título que dá nome a uma toada de Milton Nascimento e Chico Buarque, lembrando que o calendário exalta o elemento “terra”, que chegou até nós e que devemos reverenciar. A magnitude dos elementos que a complementam, tão necessários como a água e o ar, a prática enciclopédia da revista Seleções nos diz que ela nasceu de imensa nuvem de poeira e gás gravitando em torno do Sol. Formada ao longo de bilhões de anos, metamorfoseou-se assustadoramente na temperatura, como também sua superfície adaptada não só a fenômenos atmosféricos, mas à ganância humana, completo. Ao longo de quatrocentos bilhões de anos, a Terra – com letra maiúscula, dada à sua majestática importância, foi, através de fenômenos cíclicos, habitada por animais e plantas e outros organismos.

Prosseguir nesse estudo geológico acredito não ter fim, porque ela nos mantém em perene colóquio, chegando à poesia dos grandes autores citados acima, trazendo numa das estrofes a profundidade do tema, servindo à reflexã “...afagar a terra/conhecer os desejos da terra/cio da terra, propícia estação/de fecundar o chão”.

Cio da terra clamando em seu habitat pelo desejo incontido de calor gerado de forma magnética, no equilíbrio de forças antagônicas, energizando o espaço em círculos regulares e adaptando-se à natureza humana na vibração empática do amor.

Talvez, seja bom me lembrar de poema escrito há dezenas de anos, supondo que o ano dois mil era difícil de alcançar e bem se adapta à natureza das coisas. Poeticamente, mostra a espectral movimentação, acredito, inspirada de um digladiar da noite com o dia, no movimento da Terra em rotação com o Sol. Dei-lhe o título de Viagem Espectral.

Cavalgam, as flores, / através da brisa devoradora, / em sádico prazer, / as pétalas desmaiadas. / Joga, o luar, / em luxuriante delírio / seus lanhos de fogo / ardendo-se em passional / e diabólica trama. / O líquen viscoso dos rios / passa as pernas / dentre as coxas fibrosas / das montanhas, / que se curvam / recebendo o orgasmo da natureza. / O uivo das aves agourentas / desmaia as gramíneas / frementes em sádico pavor. / A boca da noite entreabre-se / na mostra de sua rica paleta / de matizadas cintilações. / A língua esbranquiçada da neblina, / traça evoluções corpóreas / pelas fendas maceradas da terra / dadivosa de libidinagem. / E os tentáculos encrespados do sol / arrancam, furiosos, / a camisola suada / da espectral viagem / do amor!

Mas, se neste cio, a Terra treme de assustadoras manifestações, o que dizer, quando em enxurrada, avassala vidas, afogando esperanças, como na ganância que pouco vale e tudo assola?

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