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Duas Filas

Ana Salvador
Publicado em 21/12/2021 às 18:49Atualizado em 19/12/2022 às 00:43
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Certa vez, passando o Natal na Inglaterra a convite de amigos, calhou-me estar numa fila para comprar bilhetes de acesso ao metrô local. Londres é bem servida de meios de transporte públicos; facilmente se chega a qualquer lugar, e o subterrâneo, particularmente, é quase onipresente. Tem-se que tomar cuidado para variar um pouco, alternar com os ônibus, ou perde-se a paisagem.

Uma senhora tentava fazer sua compra na máquina. Havia apenas mais duas pessoas na fila, e nada de ela terminar a compra. Percebíamos que ela chegava a algum ponto e, por alguma razão, não finalizava, voltando ao início. Depois de algumas tentativas, ela se virou para nós, perfeitos estranhos, e pediu desculpas pela demora. Disse que estava habituada a fazer aquela operação, porém algum problema impedia a conclusão. Por fim, desistiu e foi-se embora.

Ainda no Brasil, na época da inflação, em que todos éramos obrigados a acompanhar quase diariamente nossas aplicações bancárias, num dia primeiro do mês, calhou-me estar numa fila de um caixa automático, num shopping. Fila enorme, dia nervoso, estado de espírito geral de semi-histeria. Um senhor muito bem vestido, terno e gravata, ao chegar a sua vez no único terminal, abriu o caderno de cheques e passou a virar página por página, conferindo com a informação que via na tela. Estava no seu direito, não se questiona. Porém, o bom senso passou longe. Demorou-se ali uns bons largos minutos, sem se perturbar nem com o comprimento da fila nem com a situação geral de estresse.

Comentando essa passagem com um amigo inglês, ele admirou-se que ninguém na fila brasileira interferisse. De fato, pude constatar que, se inadvertidamente nos comportamos menos bem na Inglaterra, alguém se manifesta, e o faz da forma mais educada possível. São assertivos, falam o que têm a falar, sem drama nem timidez. Ao final, todos amigos e tudo funciona melhor.

Chegando ao Natal e às portas de um novo ano, fica a reflexão sobre por que, tendo absolutamente tudo, inclusive um povo, na maioria, trabalhador e honesto, ainda não temos o país de que gostaríamos. Assim, desejo a todos que o espírito natalino, com toda a boa vontade e amor ao próximo, estenda-se muito além da temporada e que o feliz ano novo seja um plano realizado, mais que um desejo por aí sonhado. Boas festas!

Ana Maria Leal Salvador Vilanova

Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica

 

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