ARTICULISTAS

A importância da discórdia

Ana Salvador
Publicado em 09/11/2020 às 18:31Atualizado em 19/12/2022 às 06:06
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Todo mundo tem conquistas pessoais de que se orgulha e dias que simbolizam esses marcos de vida. Há quem corra maratonas (um dia...), há quem vença enfermidades graves (amém), há conquistas maiores e menores que ficam na memória e estão lá na prateleira pra gente recorrer cada vez que precisa de um fôlego novo, lembrar o que é importante.

Uma pequenina vitória minha foi concluir a minha primeira pós-graduação. Lembro-me perfeitamente do momento em que terminamos a apresentação do trabalho final e o líder da banca fez uma única pergunta, que foi: “foram vocês mesmos que fizeram esse trabalho?”. Nosso orientador imediatamente se levantou e argumentou a nosso favor, descrevendo as etapas do trabalho, nossas propostas, as hipóteses que caíram pelo caminho, até chegar ao resultado. A banca se deu por satisfeita e saímos para comemorar. Bem merecíamos.

Não chegamos àquele resultado por vias pacíficas. Na época, com vinte e poucos anos, tínhamos dificuldade em separar defesa de ideias e defesa do ego. Muitas vezes ficamos de cara virada, chateados uns com os outros, por causa de sugestões não acatadas e argumentos rechaçados. Mas nunca deixamos de sugerir e argumentar, a data de entrega logo ali à frente, o desejo de fazer o melhor possível em cada um. Sabíamos que haveria questões ao final e vimos outro grupo passar pela má experiência de chegar despreparado ao momento. Então estudamos e estudamos.

Na reflexão pós-entrega, minha pequena epifania foi constatar que todas as discussões que tivemos em privado levaram à qualidade que alcançamos, e me dar conta de que discussões são “boas”. É que ouvimos o contrário muito frequentemente! O ruim de discutir é quando levamos para o lado pessoal e achamos que a rejeição a uma ideia nossa é um ataque à nossa integridade, ao ponto de algumas discussões terminarem em confronto físico. Mas a discórdia vai passar; o que é importante fica.

Aprender a estar seguro dos próprios valores e ter a tranquilidade de ouvir e discordar é ainda mais crucial esta semana. Meus conterrâneos estarão votando em eleições regionais, naqueles líderes que mais têm impacto direto na vida da cidade. Seguramente, em alguns valores fundamentais concordaremos todos. A partir daí, o foco de uns e outros muda, a forma de resolver problemas difere e a escolha vai recair naquele com maior concordância. Mas, dos que discordamos, seguimos comprando pão, vendendo carro, trocando um dedo de prosa no café e comendo churrasco no fim de semana com eles. E é ótimo. Ao fim, todos teremos uma ideia melhor, tendo sido mais questionada, depurada e aprimorada.

Agradeçamos aos amigos que concordam e, se calhar, mais ainda aos que discordam, por nos terem ajudado. Depois vamos todos comer pão de queijo.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova é engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica.

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